30
Abr 09

 

 

O 1º. de Maio é já amanhã. Será um dia de luta ou um dia de resignação?

 

Espero que seja um dia de luta (sem rodriguinhos...). E como amanhã estarei impossibilitado de chegar até vós, aqui vos deixo um texto do «pobre B.B.».

 

Se os tubarões fossem homens
por Bertold Brecht 
 
Se os tubarões fossem homens, perguntou a filha de sua senhoria ao senhor K., seriam eles mais amáveis para com os peixinhos?
 
Certamente, respondeu o Sr. K. Se os tubarões fossem homens, construiriam no mar grandes gaiolas para os peixes pequenos, com todo tipo de alimento, tanto animal quanto vegetal. Cuidariam para que as gaiolas tivessem sempre água fresca e adoptariam todas as medidas sanitárias adequadas. Se, por exemplo, um peixinho ferisse a barbatana, ser-lhe-ia imediatamente aplicado um curativo para que não morresse antes do tempo.
 
Para que os peixinhos não ficassem melancólicos haveria grandes festas aquáticas de vez em quando, pois os peixinhos alegres têm melhor sabor do que os tristes. Naturalmente haveria também escolas nas gaiolas. Nessas escolas os peixinhos aprenderiam como nadar alegremente em direcção à goela dos tubarões. Precisariam saber geografia, por exemplo, para localizar os grandes tubarões que vagueiam descansadamente pelo mar.
 
O mais importante seria, naturalmente, a formação moral dos peixinhos. Eles seriam informados de que nada existe de mais belo e mais sublime do que um peixinho que se sacrifica contente, e que todos deveriam crer nos tubarões, sobretudo quando dissessem que cuidam de sua felicidade futura. Os peixinhos saberiam que este futuro só estaria assegurado se estudassem docilmente. Acima de tudo, os peixinhos deveriam rejeitar toda tendência baixa, materialista, egoísta e marxista, e denunciar imediatamente aos tubarões aqueles que apresentassem tais tendências.
 
Se os tubarões fossem homens, naturalmente fariam guerras entre si, para conquistar gaiolas e peixinhos estrangeiros. Nessas guerras eles fariam lutar os seus peixinhos, e lhes ensinariam que há uma enorme diferença entre eles e os peixinhos dos outros tubarões. Os peixinhos, proclamariam, são notoriamente mudos, mas silenciam em línguas diferentes, e por isso não se podem entender entre si. Cada peixinho que matasse alguns outros na guerra, os inimigos que silenciam em outra língua, seria condecorado com uma pequena medalha de sargaço e receberia uma comenda de herói.
 
Se os tubarões fossem homens também haveria arte entre eles, naturalmente. Haveria belos quadros, representando os dentes dos tubarões em cores magníficas, e as suas goelas como jardins onde se brinca deliciosamente. Os teatros do fundo do mar mostrariam valorosos peixinhos a nadarem com entusiasmo rumo às gargantas dos tubarões. E a música seria tão bela que, sob os seus acordes, todos os peixinhos, como orquestra afinada, a sonhar, embalados nos pensamentos mais sublimes, precipitar-se-iam nas goelas dos tubarões.
 
Também não faltaria uma religião, se os tubarões fossem homens. Ela ensinaria que a verdadeira vida dos peixinhos começa no paraíso, ou seja, na barriga dos tubarões.
 
Se os tubarões fossem homens também acabaria a ideia de que todos os peixinhos são iguais entre si. Alguns deles se tornariam funcionários e seriam colocados acima dos outros. Aqueles ligeiramente maiores até poderiam comer os menores. Isso seria agradável para os tubarões, pois eles, mais frequentemente, teriam bocados maiores para comer. E os peixinhos maiores detentores de cargos, cuidariam da ordem interna entre os peixinhos, tornando-se professores, oficiais, polícias, construtores de gaiolas, etc.
 
Em suma, se os tubarões fossem homens haveria uma civilização no mar. 
 
 

 

 

 

 

 

publicado por flordocardo às 17:20

 

 

 

 
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS
 
 
Considera este poema
num impresso de IRS;
considera que to dou de seguida
como quem entrega o modelo 2.
 
Considera a prestação de serviços,
os encargos dedutíveis,
as retenções na fonte,
o total uma vogal gorda.
 
Considera ainda as deslocações
no sujeito passivo,
a profissão de desgaste rápido,
o consumo de água e de energia.
 
Considera as correcções por excesso
dos limites legais,
as quotizações para o sindicato,
os pagamentos dos serviços prestados
por terceiros.
 
Considera o mapa de
amor
tizações e reintegrações,
o imobilizado corpóreo,
o exercício reduzido a letras
matemáticas de taxas e valores.
 
Considera tudo isto:
e paga o que deves.
 
 
DANIEL JONAS (n. 1973)
 
(do livro «O corpo está com o rei» - 1997)
 
________________________________________________________________

AVIVAMENTO

 

A 79ª. Feira do Livro de Lisboa abre hoje ao público, encerrando no próximo dia 17 de Maio. 

publicado por flordocardo às 15:57

29
Abr 09

 

Almas de outro mundo (re)descobriram agora que a memorização das coisas (tabuada, por exemplo) ajuda ao desenvolvimento do cérebro e à aprendizagem; que a memorização «é uma condição essencial para um estudo eficaz e para a obtenção de resultados positivos» (ver site da Universidade de Évora - Núcleo de Apoio ao Estudante).

É óbvio que a memorização não é tudo. Mas esta lembradura, cada vez mais insistentemente feita por professores e psicólogos do ensino, não deixa de nos dar que pensar…

Em boa verdade, como já em tempos referiu a jornalista Helena Matos, no jornal «Público», «a memorização tornou-se uma expressão maldita». Ou seja: ninguém precisa de memorizar nada, pois memorizar não constitui uma forma de aprender; o Divino Espírito Santo (salvo seja!) que há em cada um de nós, trata de tudo e de forma «apelativa» (termo muito em voga - como se não existisse coisa mais apelativa do que a inteligência, a capacidade de ter opinião e de a expressar de modo fluente, aberto e convincente)…

 

Eis uma das razões pela qual fico sempre «de pé atrás» sempre que se decide prolongar o período da escolaridade obrigatória (como, aliás, acaba de implementar o Governo de José Sócrates)…

Além do mais é urgente dar resposta a esta pergunta: estudar para (vir a fazer o) quê? Para trabalhar num call center? Para ingressar nas Forças Armadas? Para ir ao biscate, ou a tempo inteiro, para uma empresa de segurança? Para ir ensinar em qualquer lado o desastroso (em múltiplos sentidos) «acordo ortográfico», dito «da língua portuguesa»?...

 

O ensino, a educação, a cultura e a ciência são ferramentas fundamentais para o progresso. Mas que país temos e que país queremos? Que estratégia seguir? Não seria melhor discutir isto antes?!

 

Tenho para mim que os portugueses com poder sofrem de uma terrível doença: fazer leis, diplomas, portarias e regulamentos, sem nunca lhes discutirem os alicerces. Os resultados estão à vista…

 

publicado por flordocardo às 19:27

 

 

GRAN TORINO

 

Título original: Gran Torino
De:
Clint Eastwood
Com:
Clint Eastwood, Geraldine Hughes, John Carroll Lynch
Género: Drama, Thriller
Classificacao: M/12
 
EUA, 2008, Cores, 116 minutos
 

 

 

As pessoas a quem o reformado Walt (veterano da guerra da Coreia) chamava vizinhos faleceram ou mudaram-se, sendo foram substituídas por imigrantes do sudeste asiático, que ele despreza. Uma noite, alguém tenta roubar o seu Ford Gran Torino, de 1972: o seu vizinho adolescente Thao, pressionado por um gang. No entanto, Walt defende o rapaz face ao gang, o que o torna o herói do bairro. A mãe de Thao e a irmã mais velha deste, Sue, insistem que Thao trabalhe para Walt como forma de se redimir. Inicialmente, Walt nada quer ter a ver com essas pessoas, mas algum tempo depois coloca Thao a trabalhar, facto que vai mudar as suas vidas. Walt vai compreender algumas verdades sobre os seus vizinhos e sobre si mesmo. Essas pessoas têm mais em comum consigo, do que ele tem com a sua própria família...

Ainda não foram ver? Não será o melhor filme de Eastwood, mas é um belíssimo filme.

publicado por flordocardo às 17:20
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Ao som de «When i was cruel» - CD de 2002 de Elvis Costello -, nesta última madrugada estas mãos e olhos desceram até à “arca” dos poemas inconclusos (ou talvez não), suspendidos (por certo), talvez por desbastar (vários deles), quiçá por imolar (outros tantos).

 
Da citada “arca” retirei (e consertei) este...
 
 
 
SÚBITO
 
 
 
Um cardo que sangra
Uma estrela rouca
Uma boca baça
Um animal que ri
 
(E vamos indo)
 
 
Como vai o tempo e a vida aí por esse lado?

 

publicado por flordocardo às 10:59

28
Abr 09

 

 

 

Dou por mim a pensar que, no meio da crise actual, os mitos (clichés, em boa verdade) caíram todos por terra; um por um.

 

O mito do «milagre irlandês», do «milagre islandês», do «mercado livre»... Aos quais posso juntar o da «Europa connosco», o do «País de sucesso», o das "hossanas" ao euro...

 

E dou por mim a pensar que a demagogia, embora com outras nuances, mesmo assim continua («regressar à agricultura» - diz Cavaco Silva; «não queremos acabar com o capitalismo», mas queremos outro, «de rosto humano» - perora Mário Soares (certamente com a anuência de Francisco Louçã...)...

 

E ainda dou por mim a pensar que outros mitos estão na forja ou são ressuscitados(«empreendadorismo», «inovação», «darmos as mãos», «caridade» - desculpem, eu queria dizer «solidariedade», que é politicamente mais correcto... -, etc.)...

 

Acabam de me sussurar ao ouvido que isto para ser uma nota breve, brevíssima. Assim tipo post.

 

Vou pensar melhor nisto tudo, e fico por aqui.

 

Continuem por aí.

 

 

publicado por flordocardo às 18:04

27
Abr 09

 

 

Vai para um ano e tal que comprei o CD de Aldina Duarte intitulado «Crua».

 

Trata-se de Fado. Falamos de 12 fados com letras de João Monge, sobre músicas do fado tradicional. Fados que, na voz de Aldina Duarte, primeiro se estranham e depois se entranham - como diria Fernando Pessoa.

O fado 7, «Flor do Cardo», por circunstâncias 99% inexplicáveis, entranhou-se-me fundo.

Quando imaginei criar um blogue, «Flor do Cardo» foi desde logo um dos títulos que, entre outros, me ocorreu. E acabou por persistir.

Até por… …

 

 

A flor do cardo a que me refiro (cynara cardunculus) eclode no final da Primavera e é colhida nos meses de Junho e Julho. Posta a secar, é passada depois por água quente. A espécie de “chá” daí resultante serve para fazer o coalho do leite, em queijos tão saborosos como o queijo da Serra da Estrela, o queijo de Serpa ou o queijo de Azeitão. A flor desta espécie de alcachofra é, assim, fundamental na queijaria tradicional portuguesa, mas também na de  outros países do Mediterrâneo.

 

A flor do cardo contém uma enzima denominada ciprozina. É esta que provoca a coagulação do leite.

O cardo nasce expontaneamente.

Eis a explicação que vos devia. A voz de Aldina, a poesia de Monge, a cynara cardunculus, a flor (e os espinhos), a expontaneidade, a ciprozina, o leite e o queijo tradicional na perfeição se conjugaram neste peito para dar à luz este blogue nascido em Abril. Só falta o pão e o vinho...

Sendo que… «O que faz falta é um 26 de Abril.»
Quem tal afirmou foi Eduardo Lourenço, a propósito do 25 de Abril, ao «Diário de Notícias».

Neste «um», indefinido por excelência, é que está o busílis da questão.

Talvez seja imperioso trocar os cravos pelos cardos

 

Como vêem, isto anda tudo ligado!

 

publicado por flordocardo às 17:28

 

 

Apanha-me na cama, ouvindo telefonia. Juro!
 
É madrugada de quinta-feira e apercebo-me, aí pelas 3 horas da manhã, de que algo de anormal se passa: música estranha na rádio; mas adormeço. Pelas 6.30 horas oiço de novo a rádio. As tropas estão na rua.
 
Estranho ninguém me telefonar. Todavia, perante os apelos radiofónicos à «calma» e a que se fique «em casa», resolvo vir para a rua (que foi exactamente o que a maioria dos portugueses fez, e bem)!
 
Chego ao Cais do Sodré, em Lisboa, pelas 8.30 ou 9 horas. A situação é notoriamente tensa. Estou na Ribeira das Naus. Tropas no largo do Corpo Santo, bem próximo de onde estou, e tropas no Terreiro do Paço. Ignoro quem são os autores do golpe.
 
Até que vem alguém do lado do Terreiro do Paço, levantando um pano branco. Um dos militares do lado onde me encontro recebe ordens para disparar e dispara uma rajada curta de metralhadora. Dispara meio para o ar e vejo os projecteis embater no torreão sul das arcadas, lá ao longe – o que irrita solenemente o mandante. Do outro lado não há resposta aos tiros.
 
Fico com a nítida sensação de que estou do lado errado... Tento sair dali, mas todos os caminhos me surgem barrados por militares, da Rua do Arsenal à Rua do Alecrim. Passadas mais de duas horas naquele impasse (não havia telemóveis, se bem se lembram) resolvo voltar para casa e tentar seguir os acontecimentos pela rádio ou pela televisão.
 
Para mim, o 25 de Abril de Abril começa realmente no(s) dia(s) seguinte(s), ao voltar a Lisboa, ao reatar contactos com outros camaradas, colegas e amigos, ao envolver-me em manifestações e na preparação do 1º. de Maio.
 

O povo está na rua! Um golpe militar transforma-se em revolução!

 

Continuem por aí que eu volto já.

publicado por flordocardo às 12:37

25
Abr 09

 

 

Calhou assim; estrear este espaço no preciso dia em que se assinalam os 35 anos passados sobre o 25 de Abril.

 

Lembro que, por esta hora, esse bastião do regime de Salazar e Caetano que era a PIDE/DGS e a sua Sede, na Rua António Maria Cardoso, ainda permanecia intocável. Aliás, do plano operacional do Movimento dos Capitães não fazia parte o assalto aquela sinistra organização do regime colonial-fascista. O facto é público.

 

Qual terá sido a razão?...

 

Lembro ainda que a revolução começou verdadeiramente quando a população, ignorando as instruções emitidas pelo MFA, resolveu sair à rua. E que foi ela quem realmente iniciou o assalto à Sede da PIDE/DGS.

 

Onde é que eu estava no 25 de Abril?

 

Talvez amanhã vos diga. E vos procure explicitar também a razão de ser deste blogue (nascido antes de tempo, já que a flor do cardo só começa a florir em Junho).

 

Fiquem por aí! 

 

publicado por flordocardo às 19:31

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