08
Ago 10

 

Passam hoje 32 anos sobre a morte do poeta Ruy Belo. Fui aos meus arquivos e…

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Entrevista

 

Ruy Belo, numa entrevista exclusiva ao Jornal de Letras, contou-nos como se começou a aventurar pelo Mundo da escrita e da poesia.

Ruy Belo é um poeta português muito conceituado. Estudou em Santarém até completar o 12º ano. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Lisboa, e em Filosofia Romântica, pela Faculdade de Letras. Doutorou-se em Direito Canónico, pela Universidade Gregoriana de Roma. É um nome de destaque na poesia contemporânea portuguesa e a sua obra poética encontra-se reunida em dois volumes, com organização e crítica de Joaquim Manuel Magalhães.

 

Normalmente, quando crianças, queremos sempre ter diversas profissões. Sempre soube o que queria fazer? Ou só mais tarde é que realmente soube que queria ser escritor?

 

 Desde criança que sinto um grande fascínio pelo “mundo” das palavras, mas tal como qualquer criança sempre sonhei ter variadíssimas profissões. Queria ser astronauta, camionista, e bombeiro. Mas com a idade comecei a ter as ideias em ordem. Tirei cursos em Direito e Filosofia Romântica. E agora cá estou, sendo poeta. 

 

Onde ou em quem se inspira quando escreve? Ou os seus pensamentos fluem bem e não precisa de qualquer tipo de inspiração?

 

Não, não. Eu pessoalmente, para escrever, preciso sempre de uma motivação, inspiração e concentração.

Tudo serve de inspiração, as mulheres, a natureza, paixões antigas, a minha infância, ou até mesmo a sociedade em geral. Mas a inspiração não é tudo. Há factores também muito importantes. Para escrever necessito de estar descontraído e com a mente livre. Isso é o melhor.

 

Acha que qualquer cidadão comum pode fazer poesia?

 

Claro. Mesmo um simples trabalhador rural que, por muitos motivos, infelizmente não teve a possibilidade de continuar com os estudos e tirar um curso pode fazer poesia. Por exemplo, a minha avó fazia muitos poemas. Claro que não tinham a mesma qualidade de um poema de Camões ou de Almeida Garrett, mas mesmo assim não deixavam de ser poemas com alguma qualidade.

 

A sua avó foi de certo modo uma motivação e influência para se dedicar à poesia? Ou essa virtude já lhe corre nas veias?

 

Sim, para ser sincero os meus avós foram uma grande influência, já que passei a maior parte da minha infância com eles. Mas apesar de me incentivarem a escrever, sempre tiveram o desejo de que fosse médico para poder tratar dos habitantes lá da aldeia.

 

Então porque não seguiu os conselhos deles?

 

Minha querida, pela simples razão de que sempre que vejo sangue desmaio.

 

Acha que é difícil para um jovem, hoje em dia, ter sucesso no mundo da escrita? Ou Portugal é um país com bons apreciadores de poesia?

 

Sim, no início é capaz de custar um pouco, pois até a sociedade o aceitar e apreciar a sua escrita ainda há um longo caminho a percorrer. Mas com força e dedicação tudo se alcança.

 

E como foi para si o seu início de carreira?  Foi difícil?  Ou habituou-se?

 

Sim, no início custa sempre. É como manter um negócio. Até arranjar clientes e obter lucro é difícil.

Mas como já disse, com força e dedicação tudo se alcança, e foi o que fiz. Lutei bastante, e continuo a fazê-lo diariamente para conseguir manter a posição que consegui alcançar.

 

Acha que conseguiu alcançar todos os seus objectivos? Ou ainda tem projectos por cumprir?

Desde que me dediquei à poesia, o meu grande objectivo era fazer com que as pessoas gostassem daquilo que escrevia, mas não só. Gostar de poesia é uma coisa, e apreciar poesia é outra completamente diferente. O meu interesse era que os meus poemas transmitissem algum sentimento. De certa forma, que transmitissem alguma mensagem para quem os lesse.

E no fundo acho que de um certo modo o consegui.

 

Jornal de Letras, 21 Maio de 1971

_____________

 

Cronologia breve

 

1933 – 27 de Fevereiro - Nascia Ruy de Moura Belo, em S. João da Ribeira, Rio Maior, Santarém.

1961 - Publica Aquele Grande Rio Eufrates, um dos seus primeiros livros de poesia, e a colectânea de ensaios Poesia Nova.

1962 - Participa na greve académica e publica o livro de poesia O Problema da Habitação.

1966 - Depois dos primeiros livros de poesia, seguiram-se obras cuja temática se prende ao religioso e ao metafísico, sob o poema de interrogações acerca da existência, é o caso de Boca Bilingue.

1969 - Candidata-se a deputado e é publicada a colectânea de ensaios Na Senda Poesia e também mais um livro acerca da existência, Homem de Palavra(s).  

1971 a 1977 - Ocupa um lugar de leitor de Português na Universidade de Madrid.

1978 – 8 de Agosto - Morte do autor, em Queluz.

1981 – É editada a sua obra, organizada em três volumes sob o título Obra Poética de Ruy Belo, a qual foi, entretanto, alvo de revisitação crítica, sendo considerada uma das obras cimeiras, apesar da brevidade da vida do poeta, da poesia portuguesa contemporânea.

1991 – O poeta é condecorado a título póstumo com grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada.

publicado por flordocardo às 00:09

13
Jun 10

*

 

Intróito

 

Como devem calcular, esta entrevista não foi fácil de concretizar. Gostando eu deste Santo Popular - que sempre me faz, por esta altura, recuar aos tempos em que nas ruas se saltava à fogueira, se queimavam as alcachofras e se assavam sardinhas -, o certo é que, embora esteja vivo, ele morreu há muito tempo. Estas coisas, portanto, são sempre complicadas.

Há longo tempo que eu procurava encontrar o simpático Bulhões para lhe fazer umas perguntas. Debalde. Até que há quatro ou cinco dias… benditas novas tecnologias! Pois foi: descobri-o no Hi5, imaginem!

Depois de algumas perguntas de algibeira, consegui a confirmação de que o cibernauta em questão era mesmo o Santo António de Lisboa que assegurava  ser. O que vos posso dizer dele que vocês não saibam já?

Santo António nasceu em Lisboa, próximo da Sé, em 1191 (ou 1195), e morreu no dia 13 de Junho de 1231, nas vizinhanças de Pádua, em Itália. Por isso é chamado Santo António de Lisboa e Santo António de Pádua. É um dos santos mais populares da Igreja, sendo-lhe atribuídos um notável número de milagres.  

Filho de Martim de Bulhões e Maria Teresa Taveira Azevedo, de famílias ilustres, recebeu no baptismo o nome de Fernando de Bulhões.

Os seus restos mortais repousam na Basílica de Pádua, construída em sua memória. Foi canonizado pelo Papa Gregório IX, na catedral de Espoleto, em Itália, em 30 de Maio de 1232. Foi proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XII, em 1946, que o considera «exímio teólogo e insigne mestre em matérias de ascética e mística».

Prontos.

Mas o homem? O homem em si mesmo? E o que pensa e como pensa? Pois, modestamente, é isso que eu pretendo revelar-vos um pouco com esta entrevista que tanta água pela barba me deu. Uma entrevista singela, sem grandes pretensões, mas que espero vos proporcione tanto prazer quanto aquele que me deu a mim. Se foi difícil? Foi mesmo – que o entrevistado nem sempre foi fácil. Mas foi sempre… castiço.

Ora vamos lá!

 

ENTREVISTA SINGELA A SANTO ANTÓNIO DE LISBOA

 

Flordocardo (FC) – Boa noite. Foi difícil chegar até si…

Santo António de Lisboa (SAL) – Não admira. Morri há muito e só se lembram  de mim uma vez por ano. Pareço a Santa Bárbara…

FC – Olhe que não. Você sabe que…

SAL – Vá lá. Seja objectivo. Porte-se como um jornalista à séria. Vamos lá às perguntas que andava há tanto tempo para me fazer. E não se esqueça que isto na internet não é à borla…

FC – OK. Em que ano nasceu?

SAL – Não sei. Nem sei com quantos anos morri, meu caro. No meu baptismo alguém estava bêbado de certeza. E quando era o dia dos meus anos o meu pai e a minha mãe discutiam sempre sobre o assunto, até que decidiram deixar de pôr velas no bolo de aniversário. Foi aí que eu comecei a pensar que também no dia do parto devia estar tudo bezanado, entende?

FC – Adiante. Teve uma infância e uma adolescência difíceis?

SAL – Não. Tanto quanto me lembro, não. Eu até pude estudar, como sabe – o que não era fácil naquela altura. Mas a minha família tinha algumas posses.

FC - O que recorda com mais agrado desses tempos juvenis?

SAL – O saltar à fogueira, sem dúvida, ali pelo início de Junho. E comer e beber. Tudo na rua, na companhia da vizinhança.

FC – Mas então essa…

SAL – Essa tradição não é de agora, não senhor. Já no…

FC – Mas já se comemoravam os santos populares nessa altura? Se ainda não havia santos…

SAL – Ai não que não havia! Havia santos e havia pecadores também. Mas eu só entendi da coisa uns anitos mais tarde, quando estudava em Coimbra.

FC – Mas… Está bem. Adiante. Estudou e chegou a doutor mais tarde. Como é…

SAL – Calma. Eu já nada tive directamente a ver com isso, pois quando me doutoraram eu já estava morto.

FC – Mas sente orgulho nisso ou não?

SAL – Nem por isso, pois esse Papa, como deve saber, foi um fulano muito polémico.

FC – Pois… E milagres. Que milagres lhe podem ser efectivamente atribuídos?

SAL – Podem atribuir-me os que quiserem, que eu não me importo. Só que há um que me pediram muito e eu nunca consegui concretizar: engravidar sem fazer filhos e fazer filhos sem engravidar.

FC - Mas isso não tem qualquer nexo! Quem é que lhe pediu…

SAL – Homens, mulheres, tudo. Mas pediram à pessoa errada, foi o que foi. Como é que eu podia fazer aquilo? Eu que nunca tive mulher, eu que não sou Jesus nem Deus? Eu que nunca entendi aquilo do Espírito Santo?

FC – Espere  lá, vamos por partes! Nunca teve mulher?

SAL – Quer dizer: nunca casei. Bem… Tive os meus casos, entende? Elas depois vinham-me pedir mais tarde para as casar. Casei uma, casei duas, casei três…

FC – Então é daí que vem a história do santo casamenteiro?!

SAL – Ora está a ver! Eu também julgo que é por isso.

FC – E elas foram felizes? Os casamentos foram felizes?

SAL –   Nunca recebi reclamações, nem dos casais, nem da Câmara Municipal de Lisboa. E acho que aquela coisa dos manjericos - Lisboa com vasos de manjericos nas janelas, sendo costume colocar na copa do manjerico um cravo encarnado com uma bandeirinha hasteada, onde se inscreve uma quadra popular - foi um modo simpático que os casais arranjaram para agradecer eu ter-lhes desejado sorte ou ter-lhes mesmo dado essa sorte.

 

FC – Mas isso…

SAL – Quer ver duas dessas quadras que me mandaram uma vez para Pádua?

FC -  Já agora diga lá…

SAL – Aqui vão:

 

Se eu fosse o cravo vermelho

Que trazes sobre o teu peito

Por muito que fosse velho

Não te guardava respeito

 

Uma delícia. E outra: 

 

Cravo manjerico e vaso

E uma quadrinha singela

Tudo lhe dei... Não fez caso!...

Pronto! Não caso com ela

 

FC – Mas essa do «não caso com ela»…

SAL – Era de um fulano que pretendia que eu convencesse a rapariga a casar com ele.

FC - E conseguiu?

SAL – Não, porque entretanto morri.

FC – De quê?

SAL – Não sei, nunca ninguém soube. Incrível, não é? Quando dei por mim já estava lá do outro lado sem saber como…

FC – E como se tem dado na…

SAL – Fui parar ao Céu, ao Paraíso, é claro. Mas para ser franco aquilo por lá é demasiado burocrático para o meu gosto. Não sei como será no Inferno, mas…

FC – Passemos a coisas mais actuais. CEE, União Europeia…

SAL – Nem me fale disso, pois é coisa que também nunca percebi. Irmos para a Europa?! Em andei pela Europa e morri em Itália. Sempre estive na Europa. Que merda foi essa de irmos para uma coisa onde nunca deixámos de estar? Faz algum sentido?...

FC – Bem… O caso é que agora, com a crise…

SAL – Crise? Estivemos sempre em crise, que eu me lembre! Os gajos lá do centro da Europa é que faziam de conta que isso não era com eles, lá por serem um bocado mais ricos. Eu acho…

FC – Eu acho que é melhor passarmos adiante.

SAL – Não sei. Olhe que eu não tenho muito mais tempo. Tenho que ir ao "farmville"…

FC – Também anda nisso? Mas isso é no "facebook"... Você é de facto um entrevistado difícil, e eu… Só mais uma questão: gostava que os seus restos mortais regressassem um dia a Lisboa?

SAL – Nunca pensei nisso, sabe. Talvez gostasse, mas desde que me pusessem os ossos ali perto da Sé, sem a companhia dos teclados de mais ninguém (p’ra não haver confusões – que eu também não sou um qualquer p’ra fazer companhia a quem não conheço de lado nenhum e que, se calhar, era um filho-da-puta).

FC – Chiça, você…

SAL - É assim mesmo, mais nada!

FC – Por último mesmo: tem algum padre, santo ou outra personalidade que admire especialmente?

SAL – O padre António Vieira. Aquele Sermão às sardinhas assadas é estupendo, de alto gabarito!

FC – Às sardinhas?... Assadas?!...

SAL – Porra, homem! Nem na noite de Santo António você atina? Eu fico por aqui. Não leve a mal, mas podemos continuar isto outro dia – caso você queira. Pode ser?

FC – Vou ver, vou ver… De qualquer forma obrigado por ter acedido ao meu convite. Quer que o leve a algum sítio?

SAL – Obrigado; muito obrigado, mas não é preciso. O meu espírito é leve, compreende? Transporta-se facilmente. Quando entender envie-me um mail, OK? Até à próxima!

FC – Até à próxima e muito obrigado!

SAL – E olhe: não publique nada sem eu ver primeiro, entendido?

FC – Entendi-te. Aí pelas 3 da manhã eu mando-lhe um mail com o texto. Boa viagem!

 

(Fim)

 

publicado por flordocardo às 04:39

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