Eu sei, eu sei que o Dia Mundial da Poesia foi neste último domingo. Mas o que aqui vos deixo (chamemos-lhe "texto", por ser coisa ainda incerta, entre prosa e poema) anda há 17 dias a moer-me lentamente, num sussuro tão agudo quanto persistente. Aqui fica agora; aberto, exposto, palpável...
EU SEI QUE POSSO
Eu sei que posso morrer por ti/ pois em ti está o sangue do mundo/ o cheiro ímpio da terra/ a chuva que cai/ o arco-íris que ri tão breve/ Porque em ti o sorriso e o riso/ a inquietude e o sal/ a faca e a ferida/ a ternura e os olhos/ resplandecem e queimam/ e contam histórias nunca ditas/
Eu sei que posso cantar para ti/ sem horas aprazadas dizer-te/ soletrar-te/ pois todo o esperma que me habita/ canta sem mácula o seu perfume/ que é simplesmente e pleno o teu perfume/ Porque em ti correm os inomináveis rios/ onde as flores selvagens matam a sede/ e também as aves em movimento/ e todos os animais assustados com a morte/ e mesmo as árvores de raízes fundas/ ou os cactos dos mais frios desertos/
Podes por isso queimar-me o corpo todo/ Podes até queimar meus lábios/ transformá-los em cinza/ Eu sei que por ti posso mudar a ordem das estações/ ainda que a minha boca sangre/ ou por instantes chore sem saber porquê/ E porque eu tenho os olhos sentados nos velhos degraus da tua casa/ e o teu brilho irradia ainda nos lençóis/ e neles teus cabelos ainda tecem lágrimas/ eu digo agora algo mais simples/ como se um osso riscasse outro osso/ - és o mais importante nó da minha vida/ mais relevante que a minha vida/
Oh meu amor eu sei que posso/ como nunca soube (não tenhas medo)/ cair inteiro na tua entrega e tu na minha/ A menos que seja tarde/ A não ser que procuremos já um lugar/ onde aprender a não esperar o que não volta
(Cruz-Quebrada, 26/02–06/03 - 2010)