Pedem-me os olhos e as mãos que esqueça
Na verdade todo o corpo implora isso
e tudo em volta que foi nosso por instantes
e o silêncio das palavras que procuro
Mas são aqueles e aquelas exactamente
quem não consegue lograr o esquecimento
E é por isso que eu tremo por inteiro
é por isso que eu suo uma sede seca
que breves lágrimas perfumam várias vezes
Assim me queima uma chama lenta
assim não encontram lugar as minhas mãos
assim vagueiam meus olhos por desvãos
onde acabas sempre por irromper
com um sorriso lento que é só teu
Como posso então esquecer?
Nem há música que deslembre essa presença
- pela ausência tão mais real ainda
Hei-de partir um espelho ou dois
Ou romper a língua
Ou cortar um dedo
Ou pedir a alguém uma faca
bem fria espetada nas costas
Talvez assim eu esqueça… ou peça
que o esquecimento fique só no sentimento
- pequena caixa guardada para sempre
em parte incerta cá por dentro
E talvez um dia encontre a chave dela
E dela solte a ave que ofereceste
E tu - matéria de esquecer - regresses nela…
Ou possas esquecer-te com ela para sempre
destes olhos e mãos que só conseguem ter-te
(Cruz-Quebrada, 04-28.03.2010)