Há tempo atrás já vos apresentei a minha posição sobre o assunto. Todavia...
Encontrei ontem este post, assinado por Maria do Carmo Vieira, no blogue http://dererummundi.blogspot.com (um blogue interessante).
Por subscrever o seu teor, permito-me aqui transcrevê-lo. Penso que o "roubo" me será perdoado.
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«SOBRE O ACORDO ORTOGRÁFICO
Passando por Lisboa, em Abril de 1952, com destino a Paris, para assistir às comemorações em homenagem a Victor Hugo, e questionado por um repórter do «Diário de Lisboa», cuja entrevista foi reproduzida em alguns jornais brasileiros da época, Graciliano Ramos, o autor de Vidas Secas, Angústia ou Memórias do Cárcere, entre muitas outras obras, afirmou: "Portugal e Brasil são um todo, tão juntos, tão irmanados que penso ninguém pode cortar o cordão umbilical que os une... A nossa língua é a língua portuguesa. Quiseram um dia criar, artificialmente, a língua brasileira... Disparate. [...] Estamos aqui a falar português, e não brasileiro e português, não é verdade?
Hoje, questionamo-nos sobre como, ingenuamente, sem uma luta consistente e duradoura, deixámos progredir uma aventura «cozinhada» por um grupo de linguistas, portugueses e brasileiros, arvorados em «donos da língua» portuguesa. Refiro-me obviamente ao Acordo Ortográfico (AO) de 1990 e à cumplicidade de encontros sem discussão pública, numa ostensiva indiferença à reacção crítica dos seus pares, destacando-se, entre muitos outros, o nome do linguista António Emiliano, com três livros publicados contra este AO, e dos próprios falantes.
Raiando o absurdo, ficámos a saber que houve linguistas brasileiros, «os mais radicais», que propuseram a substituição de «língua portuguesa» por «língua brasileira» atendendo, entre outras situações, à grandeza do número de habitantes. A propósito deste último argumento, tão caro também ao ex-Ministro da Cultura, citaria as palavras eloquentes de Francisco Miguel Valada, salientando que a CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa) «não existiria sem a língua portuguesa» ou que «A partir do momento em que pensarmos a língua exclusivamente em termos de dimensão populacional, área territorial ou poder económico, abriremos as portas para a justificação da adopção de qualquer instrumento técnico, independentemente da sua péssima qualidade».
Por detrás da bizarra e artificial «evolução da língua» por decreto, ou da pretensa preocupação em facilitar a compreensão, preconizando a uniformidade, escondem-se mal disfarçadas, estratégias político-económicas, em favor do Brasil, o elo mais forte, na perspectiva da dimensão populacional, ostensivamente invocada. Daí o não cumprimento do estabelecido, na pressa da entrada em vigor do Acordo, aceitando-se como natural a sua ratificação apenas por três dos oito países que integram a CPLP (Portugal, Brasil e Cabo-Verde), e excluindo-se à boa maneira colonizadora os restantes. Uma situação característica de jogos de interesses manipulados pelo mais forte, aquele que tem uma «maior capacidade de actuação», o que é intolerável quando o elemento preponderante da jogada constitui um património colectivo.
Um dos argumentos esfarrapados com que nos brindaram foi o facto de em traduções, sobretudo a nível da UE, poderem surgir equívocos na compreensão de algumas palavras, como se escrever «adoção» à maneira brasileira ou «adopção» à maneira portuguesa dificultasse o seu entendimento. Paradoxalmente, o problema já não se coloca se, no cumprimento do estabelecido pelo AO, os brasileiros escreverem «recepção» porque pronunciam o «p» e os portugueses «receção» porque o não pronunciam.
Na lógica subjacente à elaboração deste Acordo (escrever como se pronuncia), não deixa de ser extraordinário que o Professor Carlos Reis, um dos seus mais fervorosos apoiantes, contrarie agora (o Acordo entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2010) aquilo que então defendeu. Assim, encontramos no texto que publicou no último JL, a propósito do V Congresso Internacional da Língua Espanhola, «objecto», «susceptível», «sectores», «projectos», várias vezes «acção», palavras que assim escritas testemunham efectivamente a sua história etimológica, remetendo para a sugestiva frase de Bernardo Soares, no seu Livro do Desassossego, «A ortographia também é gente».
Em suma, o Acordo Ortográfico de 1990 «não veio resolver problema algum, já que nunca se verificou a mais ínfima dificuldade decorrente da existência de duas grafias oficiais da Língua Portuguesa», e o grupo de trabalho que o elaborou não só não teve em conta «a opinião da população em geral […] soberanamente desprezada», como ignorou «todos os pareceres das diversas entidades que sem qualquer hesitação condenaram o Acordo, no espírito, na forma e no conteúdo». Também no seguimento da petição entregue na Assembleia da República, subscrita por 32.000 cidadãos, a Comissão de Ética, Sociedade e Cultura emitiu um relatório (8.04.09), lembrando que «as preocupações e os alertas dos peticionários devem ser tidos em conta, do ponto de vista técnico e político, a curto e a médio prazo», recomendação que, aliás, não teve qualquer efeito prático.
João Pedro Graça, tradutor, não resignado com a situação, lançou a ideia, e nela persistiu, de concretizar uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos (ILC), com força de projecto de lei, no intuito de pedir a suspensão da resolução da Assembleia da República nº 35/2008 relativa à aprovação do AO. E porque para a Assembleia da República aceitar discutir a ILC são necessárias 35.000 assinaturas, fica o apelo a todos os que se opõem ao Acordo Ortográfico que consultem o endereço electrónico http://ilcao.cedilha.net , onde poderão encontrar o texto da Iniciativa Legislativa, bem como documentação relativa ao modo de assinar e de recolher assinaturas. »
Maria do Carmo Vieira