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Jun 10

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Intróito

 

Como devem calcular, esta entrevista não foi fácil de concretizar. Gostando eu deste Santo Popular - que sempre me faz, por esta altura, recuar aos tempos em que nas ruas se saltava à fogueira, se queimavam as alcachofras e se assavam sardinhas -, o certo é que, embora esteja vivo, ele morreu há muito tempo. Estas coisas, portanto, são sempre complicadas.

Há longo tempo que eu procurava encontrar o simpático Bulhões para lhe fazer umas perguntas. Debalde. Até que há quatro ou cinco dias… benditas novas tecnologias! Pois foi: descobri-o no Hi5, imaginem!

Depois de algumas perguntas de algibeira, consegui a confirmação de que o cibernauta em questão era mesmo o Santo António de Lisboa que assegurava  ser. O que vos posso dizer dele que vocês não saibam já?

Santo António nasceu em Lisboa, próximo da Sé, em 1191 (ou 1195), e morreu no dia 13 de Junho de 1231, nas vizinhanças de Pádua, em Itália. Por isso é chamado Santo António de Lisboa e Santo António de Pádua. É um dos santos mais populares da Igreja, sendo-lhe atribuídos um notável número de milagres.  

Filho de Martim de Bulhões e Maria Teresa Taveira Azevedo, de famílias ilustres, recebeu no baptismo o nome de Fernando de Bulhões.

Os seus restos mortais repousam na Basílica de Pádua, construída em sua memória. Foi canonizado pelo Papa Gregório IX, na catedral de Espoleto, em Itália, em 30 de Maio de 1232. Foi proclamado Doutor da Igreja pelo Papa Pio XII, em 1946, que o considera «exímio teólogo e insigne mestre em matérias de ascética e mística».

Prontos.

Mas o homem? O homem em si mesmo? E o que pensa e como pensa? Pois, modestamente, é isso que eu pretendo revelar-vos um pouco com esta entrevista que tanta água pela barba me deu. Uma entrevista singela, sem grandes pretensões, mas que espero vos proporcione tanto prazer quanto aquele que me deu a mim. Se foi difícil? Foi mesmo – que o entrevistado nem sempre foi fácil. Mas foi sempre… castiço.

Ora vamos lá!

 

ENTREVISTA SINGELA A SANTO ANTÓNIO DE LISBOA

 

Flordocardo (FC) – Boa noite. Foi difícil chegar até si…

Santo António de Lisboa (SAL) – Não admira. Morri há muito e só se lembram  de mim uma vez por ano. Pareço a Santa Bárbara…

FC – Olhe que não. Você sabe que…

SAL – Vá lá. Seja objectivo. Porte-se como um jornalista à séria. Vamos lá às perguntas que andava há tanto tempo para me fazer. E não se esqueça que isto na internet não é à borla…

FC – OK. Em que ano nasceu?

SAL – Não sei. Nem sei com quantos anos morri, meu caro. No meu baptismo alguém estava bêbado de certeza. E quando era o dia dos meus anos o meu pai e a minha mãe discutiam sempre sobre o assunto, até que decidiram deixar de pôr velas no bolo de aniversário. Foi aí que eu comecei a pensar que também no dia do parto devia estar tudo bezanado, entende?

FC – Adiante. Teve uma infância e uma adolescência difíceis?

SAL – Não. Tanto quanto me lembro, não. Eu até pude estudar, como sabe – o que não era fácil naquela altura. Mas a minha família tinha algumas posses.

FC - O que recorda com mais agrado desses tempos juvenis?

SAL – O saltar à fogueira, sem dúvida, ali pelo início de Junho. E comer e beber. Tudo na rua, na companhia da vizinhança.

FC – Mas então essa…

SAL – Essa tradição não é de agora, não senhor. Já no…

FC – Mas já se comemoravam os santos populares nessa altura? Se ainda não havia santos…

SAL – Ai não que não havia! Havia santos e havia pecadores também. Mas eu só entendi da coisa uns anitos mais tarde, quando estudava em Coimbra.

FC – Mas… Está bem. Adiante. Estudou e chegou a doutor mais tarde. Como é…

SAL – Calma. Eu já nada tive directamente a ver com isso, pois quando me doutoraram eu já estava morto.

FC – Mas sente orgulho nisso ou não?

SAL – Nem por isso, pois esse Papa, como deve saber, foi um fulano muito polémico.

FC – Pois… E milagres. Que milagres lhe podem ser efectivamente atribuídos?

SAL – Podem atribuir-me os que quiserem, que eu não me importo. Só que há um que me pediram muito e eu nunca consegui concretizar: engravidar sem fazer filhos e fazer filhos sem engravidar.

FC - Mas isso não tem qualquer nexo! Quem é que lhe pediu…

SAL – Homens, mulheres, tudo. Mas pediram à pessoa errada, foi o que foi. Como é que eu podia fazer aquilo? Eu que nunca tive mulher, eu que não sou Jesus nem Deus? Eu que nunca entendi aquilo do Espírito Santo?

FC – Espere  lá, vamos por partes! Nunca teve mulher?

SAL – Quer dizer: nunca casei. Bem… Tive os meus casos, entende? Elas depois vinham-me pedir mais tarde para as casar. Casei uma, casei duas, casei três…

FC – Então é daí que vem a história do santo casamenteiro?!

SAL – Ora está a ver! Eu também julgo que é por isso.

FC – E elas foram felizes? Os casamentos foram felizes?

SAL –   Nunca recebi reclamações, nem dos casais, nem da Câmara Municipal de Lisboa. E acho que aquela coisa dos manjericos - Lisboa com vasos de manjericos nas janelas, sendo costume colocar na copa do manjerico um cravo encarnado com uma bandeirinha hasteada, onde se inscreve uma quadra popular - foi um modo simpático que os casais arranjaram para agradecer eu ter-lhes desejado sorte ou ter-lhes mesmo dado essa sorte.

 

FC – Mas isso…

SAL – Quer ver duas dessas quadras que me mandaram uma vez para Pádua?

FC -  Já agora diga lá…

SAL – Aqui vão:

 

Se eu fosse o cravo vermelho

Que trazes sobre o teu peito

Por muito que fosse velho

Não te guardava respeito

 

Uma delícia. E outra: 

 

Cravo manjerico e vaso

E uma quadrinha singela

Tudo lhe dei... Não fez caso!...

Pronto! Não caso com ela

 

FC – Mas essa do «não caso com ela»…

SAL – Era de um fulano que pretendia que eu convencesse a rapariga a casar com ele.

FC - E conseguiu?

SAL – Não, porque entretanto morri.

FC – De quê?

SAL – Não sei, nunca ninguém soube. Incrível, não é? Quando dei por mim já estava lá do outro lado sem saber como…

FC – E como se tem dado na…

SAL – Fui parar ao Céu, ao Paraíso, é claro. Mas para ser franco aquilo por lá é demasiado burocrático para o meu gosto. Não sei como será no Inferno, mas…

FC – Passemos a coisas mais actuais. CEE, União Europeia…

SAL – Nem me fale disso, pois é coisa que também nunca percebi. Irmos para a Europa?! Em andei pela Europa e morri em Itália. Sempre estive na Europa. Que merda foi essa de irmos para uma coisa onde nunca deixámos de estar? Faz algum sentido?...

FC – Bem… O caso é que agora, com a crise…

SAL – Crise? Estivemos sempre em crise, que eu me lembre! Os gajos lá do centro da Europa é que faziam de conta que isso não era com eles, lá por serem um bocado mais ricos. Eu acho…

FC – Eu acho que é melhor passarmos adiante.

SAL – Não sei. Olhe que eu não tenho muito mais tempo. Tenho que ir ao "farmville"…

FC – Também anda nisso? Mas isso é no "facebook"... Você é de facto um entrevistado difícil, e eu… Só mais uma questão: gostava que os seus restos mortais regressassem um dia a Lisboa?

SAL – Nunca pensei nisso, sabe. Talvez gostasse, mas desde que me pusessem os ossos ali perto da Sé, sem a companhia dos teclados de mais ninguém (p’ra não haver confusões – que eu também não sou um qualquer p’ra fazer companhia a quem não conheço de lado nenhum e que, se calhar, era um filho-da-puta).

FC – Chiça, você…

SAL - É assim mesmo, mais nada!

FC – Por último mesmo: tem algum padre, santo ou outra personalidade que admire especialmente?

SAL – O padre António Vieira. Aquele Sermão às sardinhas assadas é estupendo, de alto gabarito!

FC – Às sardinhas?... Assadas?!...

SAL – Porra, homem! Nem na noite de Santo António você atina? Eu fico por aqui. Não leve a mal, mas podemos continuar isto outro dia – caso você queira. Pode ser?

FC – Vou ver, vou ver… De qualquer forma obrigado por ter acedido ao meu convite. Quer que o leve a algum sítio?

SAL – Obrigado; muito obrigado, mas não é preciso. O meu espírito é leve, compreende? Transporta-se facilmente. Quando entender envie-me um mail, OK? Até à próxima!

FC – Até à próxima e muito obrigado!

SAL – E olhe: não publique nada sem eu ver primeiro, entendido?

FC – Entendi-te. Aí pelas 3 da manhã eu mando-lhe um mail com o texto. Boa viagem!

 

(Fim)

 

publicado por flordocardo às 04:39

Bem gostosa esta entrevista! :)
Se há mais, venham elas!
anónimo a 17 de Junho de 2010 às 22:08

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