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Jul 09

 

Para preencher o resto deste dia?... Um dia passado em limpezas na cozinha, depois de regressado de Portimão?... Pois uma bela tradução realizada por Jorge de Sena, inserta no livro «Poesia de 26 Séculos - De Arquíloco a Nietzsche» (editora Fora do Texto, 1993).
 
TRECHO DE «BELEROFONTE»
 
Quem disse alguma vez que há deuses lá nos céus?
Não há, não há, não há. Não deixem que ninguém,
mesmo crente sincero nessas velhas fábulas,
com elas vos engane e vos iluda ainda.
Olhai o que acontece, e dai a quanto digo
a fé que isto merece: eu afirmo que os reis
matam, roubam, saqueiam à traição cidades,
e, assim fazendo, vivem muito mais felizes
que quantos dia a dia pios são e justos.
Quantas nações pequenas, bem fiéis aos deuses,
sujeitas são dos ímpios com poder e força,
vencidas por exércitos que as escravizam.
E vós, se em vez de trabalhar rezais aos deuses,
e deixais de lutar para ganhar a vida,
aprendereis que os deuses não existem. Que
todas as divindades significam só
a sorte, boa ou má, que temos neste mundo.
 
                                          Eurípedes
(Grécia - Ática - 480-405 a.C.)
publicado por flordocardo às 23:53
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Sob o consulado dos governos de Mário Soares, de Cavaco Silva, de António Guterres e de Durão Barroso, os designados «grandes investimentos públicos» concentraram-se, de modo substancial, nas auto-estradas e na remodelação da via férrea entre Lisboa e Porto (para o famigerado Alfa Pendular); houve ainda o Alqueva, a Expo-98, a Ponte Vasco da Gama e os estádios para o campeonato europeu de futebol.

 

 

A par disto, destruiu-se muita coisa (directa e indirectamente produtiva): a metalo-mecânica pesada, grande parte da actividade mineira, a marinha mercante nacional, centenas e centenas de quilómetros de linha férrea (de via estreita e de via normal); a par desta destruição veio o completo definhamento da pesca e a da agricultura – enquanto se incrementavam as grandes superfícies comerciais e a banca, o imobiliário  e os campos de golfe floresciam.

 

 

 

 

Pelo meio disto tudo foram dados incentivos de todo o género aos investimentos estrangeiros em Portugal – casos, por exemplo, da Autoeuropa, da Quimonda, da Tyco ou, mais recentemente, da Pescanova (em Mira). Isto significou, na prática, que o Estado português, depois de ter destruído produção e empregos existentes, comprou empregos a tais multinacionais – as quais se manterão em solo nacional enquanto entenderem, ou seja, enquanto considerarem tal permanência suficientemente lucrativa...

 

 

 

 

Qual a lógica de desenvolvimento de tudo isto? Nenhuma. As consequências? Essas sabemos hoje melhor do que nunca em que se consubstanciaram: florescimento do sector terciário da economia; compressão dos salários reais (crescentemente disfarçada com um acesso progressivamente mais barato ao crédito bancário); desemprego (aberto e encoberto) e precaridade do nível de trabalho. Tudo isto foi sendo cozinhado à sombra da chamada «integração europeia» do nosso país e de uma coisa anómala (mas “avançada”...) designada por «concertação social», instaurada no tempo do cavaquismo.

 

 

Mas - qual resultante lógica de tudo isto - registou-se outra consequência inevitável: o aumento das importações e diminuição das exportações, com o inerente ascenso galopante da dívida externa.

 

Ora o governo do engº. Sócrates prosseguiu esta política suicidária com uma pequena variante: alegando a urgência de combater o défice, juntou aquela linha geral as “reformas”; na administração pública, na saúde, na justiça, na educação. Resultado? Temos todos os problemas agravados - os estruturais e os outros. Os primeiros não foram atacados e os outros, os das ditas “reformas”, resultaram na mais absoluta perversidade e inoperância (a chamada «função pública» é hoje e praticamente inexistente, à custa a “modernização”, dos “objectivos” e das “avaliações de desempenho” - que resultam na completa governamentalização de tal trabalho; a saúde está infecta e a rebentar pelas costuras, a justiça está em coma e a educação entregue aos burocratas, aos tecnocratas... e ao «acordo ortográfico»...).

 

Alguns dizem que temos um país adiado? O mais correcto será dizer que temos um país que avança para o abismo!

 

Os «chifres» de Manuel Pinho em plena Assembleia da República, quando se debatia o Estado da Nação, constituem, no contexto que descrevi, uma espécie de performance de negríssimo humor. Destinada a evitar uma séria discussão do estado a que isto chegou? Sim. Objectivamente, sim!

 

E a celeuma em curso a respeito dos chamados «grandes investimentos públicos» corre o mesmo risco. O risco de levantar um denso nevoeiro sobre o que é essencial. Os cretinos em presença são, aliás, exactamente os mesmos.

 

Os que se opõem a semelhantes investimentos (novo aeroporto, TGV e terceira travessia do Tejo, por exemplo) defendem o quê? Nada. Se se apanharem no poder, tais “sábios” voltarão à política do combate ao défice, ainda que provavelmente por outras formas. E deixarão o tempo correr até a crise actual passar, implementando depois alguns dos investimentos que agora criticam.

 

Os que defendem os ditos investimentos, por seu turno, querem o quê? Combater o desemprego no plano imediato, pondo o Estado a substituir-se à iniciativa privada? E quando a crise actual passar? Estarão, então, os nossos problemas estruturais resolvidos? E passaremos de novo à tutela da iniciativa privada e ao primado do mercado? È o mais certo...

 

Estou em crer, portanto, não ser possível discutir nada disto (e discutir não é adiar ou fazer avançar os investimentos públicos) fora da definição de uma estratégia política e económica de desenvolvimento para o país que hoje temos. Trocar argumentos fora destes termos do problema é o mesmo que atirar perdigotos para o ar.

 

É claro que não me revejo nada no discurso miserabilista e demagógico dos senhores do não (que muito provavelmente, defendendo agora a suspensão das coisas, mais adiante quererão embolsar alguns proventos com a sua construção). Caríssimos: vós sois «velhos do Restelo»!

 

Mas o discurso dos senhores do sim também não me convence plenamente, pois é incompleto – pelo menos pelo que vi até agora. È que o problema é que não se pode voltar a correr o risco das políticas cavaquistas de suposta criação de infra-estruturas que não têm qualquer laivo de estrutura produtiva sólida atrás de si, a montante. Será que queremos aeroportos capazes e TGVs para, meramente, trazer e levar turistas? Expliquem-nos que não é isto que pretendem. Digam-nos que economia é urgente criar para que tais obras façam sentido!

 

Talvez volte ao assunto. É que o verdadeiro problema é saber que país queremos (penso eu de que...).

publicado por flordocardo às 21:35

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