20
Dez 09

 

- prosa bárbara ou talvez terna -
 
O relógio marcava dez horas e cinquenta minutos quando ele despertou. Levantou-se da cama pelas onze e meia e preparou um banho. Na cozinha, cortou uma laranja ao meio e fez com ela um sumo; comeu ainda uma bolacha. Verifica que está muito frio.
 
Liga em seguida o telemóvel. Tem este uma mensagem, recebida quase às oito da manhã: «…o nosso almoço tem de ficar para outro dia…». Acende um cigarro.
 
Vai à casa de banho e olha-se ao espelho, passando as mãos pelo rosto, enquanto a banheira enche. Um ligeiro toque na barba e de novo o espelho. O que nele vislumbra agora proporciona-lhe a breve e estranha sensação de ser algo de irreconhecível (“Que rosto é este? Já vi aqui dois rostos ou foi ilusão minha?”). Medita ainda sobre quanto envelheceu nos últimos três ou quatro anos. Pensa ainda como a alegria (como se todas as estações do ano se tivessem juntado num novelo) lhe entrou uma vez e outra, há pouco tempo, de roldão pela casa dentro. E pressente que isso não voltará a ter lugar.
 
Toma banho, veste-se, sai à rua para tomar um café. Outro cigarro. Verifica que se esqueceu em casa do telemóvel e dos óculos, quando pretende responder à mensagem
que recebera. Mas toma o seu café. Toma-o triste, mas sereno.
 
Pega em si e vai até à beira-rio. Breves instantes. A maré encontra-se na vazante e está mesmo muito frio.
 
De volta a casa liga o computador. Não há nele mensagens novas; as novidades são… nenhumas. Aproveita para fazer um post – uma fotografia, à qual exíguas palavras servem de moldura. Um post sobre uns olhos, um olhar que dentro dele nunca morrerá.
 
Finalmente responde à mensagem. Faz nela menção à alegria, à sua outra face (à outra face que o espelho pode ter guardado). Acende outro cigarro, sem saber se irá ou não almoçar e onde. No computador, a página em branco fita-o insistentemente; como que o desafia; como que lhe diz, sussurrando: “vem até mim…”
 
E começa a escrever de novo (por entre um silêncio um tudo bárbaro, um tudo terno e que somente os pardais ao fim da tarde ousarão violar).
 
Interrompe a escrita por um curto instante. Está convicto de que existem muitas ocasiões na vida em que é preciso saber «baixar as expectativas», como agora se usa dizer a respeito de tanta coisa. Mas sabe também que continua a amar. Irremediavelmente.
 
E começa sôfrego, com as mãos impiedosamente geladas, a escrever de novo.
 

autor: Isabela Lyrio, Brasiltítulo: Talita 

Foto de Isabela Lyrio (Brasil)

- www.pontosdevista.net

publicado por flordocardo às 15:07

 

 

 

 

 

Melra em Genéve (foto roubada).

O resto em volta? Frio e silêncio.

 

publicado por flordocardo às 12:40
tags:

 

«Poemas portugueses - Antologia da Poesia Portuguesa do séc. XIII ao séc. XX» é o título da segunda mais extensa antologia de poesia portuguesa. O lançamento desta obra foi realizado na passada terça-feira em Lisboa, pela Porto Editora.
A obra foi organizada por Jorge Reis-Sá e Rui Lage, e reúne 267 autores e mais de 2000 poemas (2150 páginas). Contém ainda verbetes assinados por críticos como Arnaldo Saraiva, Fernando J. B. Martinho ou Fernando Guimarães.
É obra!
Este é sem dúvida um dos acontecimentos editoriais do ano.

  

 

publicado por flordocardo às 02:15
tags:

 

 «A distância faz ao amor aquilo que o vento faz ao fogo: apaga o pequeno, inflama o grande.»

 

Fonte: "História Amorosa das Gálias"
Autor:
 Roger Bussy-Rabutin    

 

 

Anunciam-nos para hoje a continuação do frio, mas ainda muito vento e chuva forte de Norte a Sul do país.

E vejam lá do que me havia de lembrar...

publicado por flordocardo às 00:57
tags:

Dezembro 2009
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9





Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO