03
Jan 10

 

É o meu segundo poema deste ano novo. Consumiu-me largas horas e horas deste dia. Talvez ainda impuro esteja, mas tinha que o pôr hoje aqui.
 
*
 
 
E SE EU…
 
(a todos os meus amigos)
 
 
E se eu vos falasse dos mortos e dos vivos
do que passa e do que fica pelas janelas
altas da dor e do espanto álacre dos dias?
 
E se eu vos desse um pouco mais deste sangue
da ventosa vela azul que sustenta os pássaros
da tremura que acende minhas magras mãos?
 
E se eu vos revelasse um exorcismo de olhos
que não acabam e são de certos lábios outra face
a outra parede de uma casa térrea e doce?
 
E se eu vos oferecesse um beijo ardente
um abraço igual ao dos ilhéus ao visitante
depois da bruma do inicial receio?
 
E se eu acabasse de vez por entre os muros
ou nuvens que esqueceram o seu rumo
ou uma viga sem memória de ter feito tanto?
 
E se eu vos mostrasse a impressão de que parto
tarde como um pedreiro que sai da sua obra
ou cão que não encontra a casa onde (re)nasceu?
 
E se eu vos dissesse que o mar é já ali
e me sustenta o corpo raso e afluente
porque eu amo entre as hastes de quem amo?
 
 
Cruz Quebrada, 03.01.2010

 

                                               Passing Away Into Unseen Worlds  -  Andy Kehoe

 

 

publicado por flordocardo às 20:55

 

 

Acabei de almoçar há instantes com o meu filho.
 
É outro que me diz que a vida não é fácil.
 
Pois é. A vida não é fácil (nem cor-de-rosa). Mas teria alguma graça se fosse fácil? Esta é a pergunta que costumo dar como resposta.
 
Para alguns, todavia, será fácil.
 
Vejo no «Diário de Notícias» de hoje que para os paraísos fiscais “voou” em 2009 o valor correspondente à construção de 2 aeroportos. Que em 2009 o dinheiro colocado pelos tugas em off-shores foi superior ao neles colocado em 2008 e também em 2007. Que, segundo o Banco de Portugal, se estima haver pelo menos 15,7 mil milhões de euros de portugueses aplicados em off-shores desde 1996…
 
Parece que é fácil a vida para esta gentalha selecta.
 
Para os restantes melros e melras é que é difícil. Mas é preciso lutar.
 
Fazendo parte do todo, o amor também não é fácil – como dizia Luís Pignatteli e cantou Janita.
 
 
NÃO É FÁCIL O AMOR
 

Não é fácil o amor melhor seria
Arrancar um braço fazê-lo voar
Dar a volta ao mundo abraçar
Todo o mundo fazer da alegria

O pão nosso de cada dia não copiar
Os gestos do amor matar a melancolia
Que há no amor querer a vontade fria
Ser cego surdo mudo não sujeitar

O amor ao destino de cada um não ter
Destino nenhum ser a própria imagem
Do amor pôr o coração ao largo não sofrer


Os males do amor não vacilar ter a coragem
De enfrentar a razão de ser da própria dor
Porque o amor é triste não é fácil o amor

                                                     Luís Pignatelli (1932-1993)


(poema musicado e interpretado por Janita Salomé no álbum «A Cantar ao Sol», de 1983)
 

 

Não é fácil, de facto.
 
Mas... LUTAR É PRECISO!
 
É o que nos DÁ VIDA!
 

 

 

publicado por flordocardo às 16:44

 

Pois é… É o meu primeiro poema do ano (e não estava fácil).
 
 *
 
ADORMECER, ACORDAR
 
 

Quando roço os dedos nas pálpebras dos teus olhos

são os meus dedos que sangram

 

Pensar isto é uma maneira assim

de dormir com a noite

 

- e de acordar com vontade de plantar janelas

 
 
Cruz- Quebrada, 03.01.2010

 

 

convergence_jackson_pollock
 

Convergence - Jackson Pollock

publicado por flordocardo às 13:31

 

Eis um poema do brasileiro Manoel de Barros (n. 1916).

 

 

(Desinventar objectos. O pente, por exemplo. Dar ao)

 

 

Desinventar objectos. O pente, por exemplo. Dar ao

pente funções de não pentear. Até que ele fique à

disposição de ser begônia. Ou uma gravanha.

 

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

 

 

(extraído do livro «O Encantador de Palavras», editado em 2000 pela Quasi Edições)

 

 

 

publicado por flordocardo às 02:57

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