Acabo de deparar no «Jornal de Notícias» com um artigo de opinião, assinado por Rafael Barbosa, que quase me tira as palavras da boca. Acho-o pertinente e por isso - o que não é meu hábito - o transcrevo aqui, com a devida vénia ao respectivo autor (cujos artigos, por sinal, não tenho acompanhado, mas que vou provavelmente passar a acompanhar doravante).
Ora leiam.
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Circo Mediático
1. Um exibiu a camisola que lhe serve de pijama, explícita quanto ao facto de Sócrates nunca lhe ter movido um processo, omissa quanto a qualquer facto relevante; outra distribuiu fotografias dos accionistas angolanos, negros presume-se, uma vez que classificou como racista a curiosidade dos deputados, brancos; outro ainda, mais modesto, levou vários exemplares de um livro que conta os 20 anos de história do jornal.
A Comissão Parlamentar de Ética que investiga o alegado plano do primeiro-ministro para controlar a Comunicação Social transformou-se, logo no arranque, num animado espectáculo circense. A questão central é agora saber--se que brinde levará o próximo convidado. Alguns deputados socialistas estarão satisfeitos com o descrédito do propósito inicial das audições, alguns deputados de oposição satisfeitos com os sound-bites sobre o despotismo do primeiro-ministro. Os portugueses, que já pouca confiança depositam na sua classe política e jornalística, riem-se numa primeira fase, para se enjoarem com o passar do tempo. O que ali se vai passando não serve para mais do que acusações sem prova, uns contra os outros, sem regras, nem tino.
2. Enquanto na Assembleia da República assim se vai passando o tempo, o chamado país real vai sendo confrontado com a dura realidade que passou e que ainda vem por aí. Terminámos o ano com 563 mil portugueses desempregados. Gente deprimida, certamente amarga e desinteressante, sem capacidade de proferir frases espirituosas sobre grandes problemas como a liberdade de expressão ou falta dela. A esses ninguém se lembrará, portanto, de convocar para uma comissão parlamentar. O balanço anual do desemprego passou e foi como se a ninguém afectasse. Nem mesmo quando se percebeu que metade dos desempregados já está há mais de um ano sem emprego; ou quando se detalhou que entre os 15 e os 24 anos se acumulam 100 mil desempregados, uma geração inteira que assim se perde e mergulha directamente na pobreza.
3. Igualmente à margem de preocupações parlamentares e éticas, vai aumentando a contagem do número de mortos nas estradas. Nos primeiros 45 dias do ano morreram 97 pessoas, mais 10 do que no mesmo período do ano passado. É cedo para tirar conclusões, dizem os nossos especialistas. Mesmo quando são confrontados com os casos particularmente mortíferos das estradas do Porto (de seis para 18 mortos) e de Braga (de dois para nove mortos). É capaz de ser da chuva, ou do gelo, ou da neve, dizem-nos sem certezas. Ou seja, do tempo, que ninguém controla. Esperemos então tranquilos pelo balanço no final do ano. Com um pouco de sorte, o tempo melhora.