Não sou, desde já confesso, particular admirador da poesia de Manuel Alegre (mas justo será dizer, igualmente, que não tenho acompanhado até à exaustão a sua obra). Na certeza porém, há um livro deste autor que considero belíssimo, talvez por ser algo diferente (na criação do verso, no ritmo, na metáfora, na temática) daquilo que normalmente associo à poética de Alegre. Esse livro intitula-se «Senhora das Tempestades» e foi editado pelas Publicações Dom Quixote em Fevereiro de 1998.
Estive a relê-lo, de fugida, ontem e hoje. Dele vos deixo aqui um poema.
* *
Foz do Arelho
ou
Primeiro Poema do Pescador
Este é apenas um pequeno lugar do mundo
um pequeno lugar onde à noite cintilam luzes
são os barcos que deitam as redes junto à costa
ou talvez os pescadores de robalos com suas lanternas
suas pontas de cigarro e suas amostras fluorescentes
talvez o Farol de Peniche com seu código de sinais
ou a estrela cadente que deixa um rastro
e na mais.
Um pequeno lugar onde Camilo Pessanha voltava sempre
talvez pelo sol e as espadas frias
talvez pela orquestra e os vendavais
ou apenas os restos sobre a praia
«pedrinhas conchas pedacinhos d’osso»
e nada mais.
Um pequeno lugar onde se pode ouvir a música
o vento o mar as conjugações astrais
um pequeno lugar do mundo onde à noite se sabe
que tudo é como as luzes que cintilam
um breve instante
e nada mais.
Foz do Arelho, 8.8.96