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The gift of tears
Por acréscimo sinto a calmaria
Virá surgir ao fundo do tumulto
Loucura alta atravessou a estria
Secreta e nua a graça do teu vulto.
Explosão criando uma ferida aberta;
Êxtase absurdo; prematuro luto
Absurdo, talvez; tudo agora alerta
No ser inteiro um puro encantamento
Embora o pranto o coração aperte
Contradizendo o que a visão sustenta.
O olhar vagueia no horizonte largo
Mas não te encontra, e a saudade inventa.
Também me inventas, num engano amargo,
Não propriamente amargo mas ainda
Não me aceitares sem qualquer embargo
Do que ameaçar possa a visão bendita
Me mortifica cada vez mais fundo.
Visão sem nome, fantástica dita
Quando o acaso, mistério profundo,
Nos uniu sem unir, ponto supremo.
Dir-se-ia - oh céus - até ao fim do mundo.
Amamo-nos no âmago do ermo,
Lá onde o verbo não impera mais.
Onde em pavor, de feliz, todo eu tremo.
Existimos, intactos nos umbrais
De cada encontro mágico, sem par.
Vivemos no presente e nunca mais,
Instantes após instante. Onde encontrar
O teu imo secreto em cada inverno,
Estação onde vieste acorrentar-me?
Fogo arredio intensamente terno,
Tantas contradições em ti se anulam.
És o equilíbrio do meu desgoverno.
Recordações intensas se acumulam
Desde esse olhar ardente que trocámos
Há pouco e há tanto tempo; se avolumam
As alegrias; nunca imaginámos
Tanto esplendor adentro desse espaço
Que embora dividido transformámos.
O que me assombra? Hermético laço
Que ora através de ti eu descortino:
Fogo predestinado passo a passo.
Loucura alta, parte do divino
Que me quebranta, mas a ti diz nada.
Cidade frágil, vento muito fino
Tentando ecoar a frase abandonada.
Feliz? Não sei. Não creio. Não entendo
Essa palavra há muito recordada.
Serei eu escravo de um sonho demente?
Em que termos existo em tua vida?
Como te chamas verdadeiramente?
O teu pranto, amor meu, donde é que vinha?
O dom das lágrimas, alto mistério
Apercebido em plena maravilha.
(Londres, 27-28 de Janeiro 97)
ALBERTO DE LACERDA (1928-2007)
(do livro «O pajem formidável dos indícios» - Assírio & Alvim, Junho/2010)
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PS - Um poema, este, que não tem parado de me agitar e de encantar desde há uns dias. Ainda não o digeri nem acho que o vá digerir tão depressa. Mas sei que é um grande poema.