As palavras deslocam-se hoje para parte incerta. Partem. Ou fogem. Não sei para onde vão. Limito-me a segui-las. Em boa verdade, para além de estar ciente de que é parte integrante de mim este ímpeto inapelável de seguir as palavras em movimento, em silêncio, poucas coisas sei.
Sei que, segundo o relógio, são duas e meia da manhã. Pouco mais sei. Mas continuo a seguir a imprevisível deslocação das palavras. Provavelmente porque gosto do lado oculto e escarpado das ilhas, de seguir os trilhos mais difíceis e improváveis para alcançar os cumes.
Resulta daí a minha solidão, suponho. E ela é funda; pois dificilmente alguém conseguirá acompanhar-me pelas escarpas abruptas que se insinuam no meu caminho; carregando palavras e o seu sarro, carregando luzes, sombras, imagens, mares e sedes, perfumes e sabores que me acariciam doce e rudemente os lábios.
Sigo as palavras, hoje em deslocação particularmente rápida e errática. Amanhã, dia de outro dia, talvez alguém me bata à porta. E não sei se estarei cá, aqui, carregado de palavras ou totalmente despojado delas. Não sei se a porta será aberta. Sei que depois disso, horas depois, voltarei aqui para dormir de novo. Então sim, por certo, de novo entre palavras.
Porém insisto: sei que pouco mais sei do que isto. E se mais soubesse do que isto que interesse teria isto - isto que nem veria de certeza a luz do dia?
*
E todavia eu sangro. Continuo a sangrar. Eis um sinal de que estou vivo, concluo então. Vivo entre as palavras sanguinolentas que ainda não partiram ou fugiram e que, surpresas, hesitantes, me amparam. E sendo assim, considero-me pronto a partir para qualquer lugar onde as outras palavras, as que partiram, eu possa - quem sabe? -, reencontrar.
É isso: as palavras deslocam-se. Limito-me a segui-las, a persegui-las. Tentarei unir umas às outras. Vou partir. Só preciso de um límpido olhar para partir. Pouco mais sei nesta(s) noite(s) em que o vento atravessa o silêncio.
(06.08.2010, há 12 horas atrás)