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(encosto a face à parede)
encosto a face à parede
mais triste do quarto, fiel
guardiã do sol posto.
o coração que me deixaste
é uma casa difícil de habitar.
RENATA CORREIA BOTELHO (n. 1977)
(do livro «Um Circo do Nevoeiro» - Averno, 2009)
Em boa verdade não temos praticamente agricultura. Daí resulta importarmos cerca de 80 por cento do que precisamos para comer.
A indústria está hoje reduzida a algumas franjas, em larga medida desactualizadas e desapetrechadas, da pequena transformação e de alguma construção civil.
O sector dos serviços é, na sua maior parte, de baixa qualificação - com grande predomínio do turismo de pouca qualidade e dos "call centers".
Apesar de termos uma excelente posição geoestratégica e a maior Zona Económica Exclusiva de toda a União Europeia, não temos portos capazes, nem pescas, nem marinha mercante.
Sendo um país sem economia - no qual os sucessivos governos aceitaram receber da União Europeia muitos milhões a troco da destruição da sua própria capacidade produtiva -, somos agora também um país sem emprego. Existem mais de 590 desempregados, segundo o INE - embora o desemprego real ultrapasse já os 710 mil cidadãos.
Ainda por cima querem agora que paguemos uma dívida pública, externa e interna, que o povo trabalhador português não contraiu (e cujo pagamento deve pura e simplesmente repudiar!).
Apesar de tudo isto, o governo actual tem vindo insistentemente a apresentar cada dado estatístico que vê a luz do dia como um «sinal positivo» para o futuro do país. O desemprego? Esse «estabilizou»… Incêndios?... Bem, o combate aos mesmos decorre com «maior grau de eficácia»… A economia? Essa «cresceu mais do que o previsto pelo governo»…
Ainda ontem o Primeiro-ministro fez isso, dar-nos “boas notícias", ao visitar duas «empresas de sucesso», uma em Vale de Cambra e outra em Vila da Feira.
A particularidade destas visitas reside no facto de ambas terem dado azo a uma espécie de conferências de imprensa feitas no interior das próprias empresas. Com o beneplácito dos patrões, é claro (o que é lá com eles).
Mas... e então os trabalhadores? Onde estavam? Tinham ido almoçar? Tinham ido lanchar? Já tinham entretanto saído do trabalho? Se estavam lá a assistir, ou a trabalhar, o que fizeram? Bateram palmas? Vaiaram os palestrantes? Fizeram voar chaves inglesas e porcas em direcção à cabeça do Engº. Sócrates, mas o acto foi censurado pelas televisões, pelas rádios e pelos jornais?
Haverá algum jornalista à face deste país sem leme nem futuro que me saiba explicar onde estavam os trabalhadores daquelas duas empresas e qual foi a sua reacção perante aquele acto de propaganda (suponho que à borla, ou seja, sem aluguer de espaço) do governo? Ou os senhores jornalistas só lá foram para cobrir a manobra e mais nada?...
Uma coisa é certa: se os trabalhadores estavam lá quando as operações de publicidade ocorreram e nada fizeram, então algo vai de mal a pior neste país!
Estou indignado? ESTOU!!!
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Palavras não me faltam, (quem diria o quê?)
faltas-me tu poesia cheia de truques
De modo que te amo em prosa, eis o
lugar onde guardarei a vida e a morte
De que outra maneira poderei
assim te percorrer até à perdição?
- Porque te perderei para sempre como
o viajante perde o caminho de casa
E tendo-te perdido, te perderei para sempre
Nunca estive tão longe e tão perto de tudo
Só me faltavas tu para me faltar tudo
as palavras e o silêncio sobretudo este
Manuel António Pina (n. 1943)
(do livro «Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde» - Edição A Erva Daninha, Porto, Novembro de 1982)
Imagens captadas pela «célula de informações» de Portugal no Líbano e no Afeganistão (citada pelo ministro da Defesa, Santos Silva, em entrevista ao jornal "I") ...
Pedido de rectificação de última hora - Afinal as imagens acima foram recolhidas pela NASA. Ao que nos fizeram constar as «células» ainda não estão operacionais. Pelo lapso pedimos desculpa aos viajantes deste blogue.
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CORPO HABITADO
Um breve olhar
uma breve brisa
um breve cheiro…
Ou o rasto obsessivo...
o clarão de uma estrela
Tudo isso guarda algures
E numa manhã
numa tarde ou numa noite
por vezes respira
O mesmo sucede com o sangue
as sucessivas cicatrizes
O corpo habitado
(o corpo habitua-se)
respira ainda
(Cruz Quebrada, 21.08.2010)
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ALGUMA COISA FAZ SENTIDO
No meu peito tenho terra
Fecho os olhos e sinto o cheiro
os gestos
seu eixo incandescente
Por dento de mim vibra
por dentro de mim corta
por dentro de mim fala
Por vezes grita
Meus olhos tão atentos são de terra
- olhos que a terra hão-de beber
olhos que a terra há-de comer
Assim se faz o meu vinho
Alguma coisa faz sentido
(Portalegre, 17.08.2010)