Estamos a viver uma situação sui-generis ou, se preferirem, mesmo surreal. No meio de uma crise profunda a todos os níveis, eis que todos os partidos parlamentares que temos declaram publicamente não quererem abrir uma crise política no país. Esta teoria extravasou mesmo o âmbito dos partidos, chegando a economistas, comentadores, ex-presidentes da República, etc.
O que resulta daqui? Resulta que a crise continua a avolumar-se, exactamente à custa - e de forma cada vez mais brutal - dos mais básicos interesses do povo; desse mesmo povo que tais partidos e personalidades dizem todos os dias defender tenazmente.
Dizendo o que dizem, tais partidos e personalidades evidenciam duas coisas: primeiro, que não têm nenhuma alternativa de saída para a situação actual em que nos encontramos, uma vez que asseguram existir uma crise (sobre a qual não têm, é claro, qualquer responsabilidade…), mas não querem criar uma crise política que possa permitir a mera possibilidade de alterar a situação; segundo, é evidente que desta forma tal gente só espera por eleições – e, aí, logo se verá que coelho sairá da cartola… Porém, como chegámos a um momento em que não podem verificar-se eleições, todos assobiam para o lado e apelam candidamente a uma concórdia que possa “salvar o país”…
Ora a principal consequência política desta posição é uma e uma só: o governo deve continuar a governar, o Presidente deve continuar a presidir, o país deve continuar a arruinar-se de mão estendida e quem trabalha deve continuar a aguentar as drásticas consequências de tudo isto. Caso contrário, o país não se salva mesmo…
E, acrescentam logo tais vozes, o país não se salva mesmo se a sua economia deixar de assegurar financiamentos lá fora. É preciso «garantir o financiamento da economia portuguesa», clama Sócrates. Teixeira dos Santos grita que não haverá passos atrás na austeridade, alegando que «sem financiamento externo não há emprego nem crescimento». A “salvação” do país, portanto, está lá fora. Notável, verdadeiramente notável!!!
Estas ideias são acompanhadas (alimentadas mesmo) por um silêncio - que eu diria ensurdecedor - a respeito da União Europeia e da nossa relação com ela, assim como no que respeita a saber o que se passa no actual mundo capitalista (considerando, claro está, que não estamos separados dele por nenhuma Muralha da China). Isto não é também significativo? É, sim senhor. E é-o porque foi exactamente esta gente que nos empurrou à sorrelfa para uma total dependência externa em todos os domínios, enquanto por outro lado nos prometia o Céu e a Terra!
De tudo isto pode-se e deve-se tirar outra consequência política: a saída tem que ser encontrada fora do quadro dos partidos parlamentares e deste quadro de ideias feitas e vazias.
A saída só pode ser encontrada nas forças políticas e sociais fora do arco do poder; nos sindicatos, nas cooperativas, nas associações cívicas, na colectividade que não se bandeou com a exploração e a opressão, nem com as ilusões dos falsos profetas, ou seja, na própria sociedade – sobretudo naquela vasta parcela da sociedade que almeja um mundo deveras diferente daquele que temos e que é precisamente aquela sobre a qual recai todo o peso dessa tão “inevitável” quanto “salvadora” austeridade.
É neste quadro que a greve geral marcada para 24 de Maio assume uma importância política enorme, na minha maneira de ver. É que esse dia de luta pode e deve marcar exactamente essa vontade de sacudir a canga e de apontar um novo rumo para o país, uma alternativa. A greve geral deve constituir-se na voz activa dessa parte da sociedade de que falei antes!
A greve geral de 24 de Maio deve dizer a todos aqueles que nos conduziram à actual situação (por acção própria, por pactuação ou mesmo por omissão) que não estamos dispostos a comer pedras e a calar. Que não há solução nenhuma que possa vencer sem contar com os que vivem exclusivamente do seu trabalho.
Se nos atiram pedras, nós também as podemos atirar. E dizer isto e fazer isto é algo que abre portas e janelas que agora, provavelmente, não conseguimos vislumbrar com exactidão.
É isso que é preciso. Esse é o “financiamento” de que precisamos. O resto? O resto é música celestial para entreter papalvos que ainda não perceberam que estão fritos.