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Dez 10

 

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O que se segue foi publicado ontem no «Jornal de Notícias» on-line.  Excelente!

Subscrevo e partilho convosco. O texto é do jornalista Óscar Mascarenhas.

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A extorsão da palavra

Aconteceu há dias entre o treinador do Benfica e um repórter de televisão: na «entrevista» ritual concedida em exclusivo ao canal que pagou a transmissão, o jornalista quis saber se Jorge Jesus se sentia contestado - ou coisa assim. O técnico retribuiu com uma pergunta, sobre se o interlocutor queria ou não que falasse sobre o jogo. Este retorquiu com um chavão em uso por alguns jornalistas que nem se dão conta da deselegância de polícia bruto: «Aqui quem faz as perguntas sou eu!» O treinador voltou costas, com um «então, tchau».

 

O jornalista ainda preleccionou para a câmara os seus direitos e talentos, não confundíveis com os da tropa ao serviço do canal clube (o que, na circunstância, não é proeza, convenhamos). Algo como se dissesse: «Se pensou que eu viria aqui para fazer perguntas fáceis, bem se enganou.»

 

A ufania do repórter não tem razão de ser. Aquelas entrevistas não pertencem a nenhum género jornalístico, são meras acções publicitárias e violam os mais elementares direitos cívicos dos protagonistas desportivos - e dos próprios jornalistas.

 

Há anos, outro treinador, António Oliveira, compareceu a tal «entrevista», fazendo uma declaração prévia: «Só aqui vim, porque se não viesse, seria multado.» O jornalista presente deixou essa advertência entrar-lhe pelo microfone - mas não na sua consciência ética. Aceitou continuar a extorsão da palavra.

 

Porque seria multado o treinador? Porque nem ele nem o jornalista são importantes para aquela liturgia: só ali estão para subliminarmente entrar nos olhos do público a quadrícula de anúncios que serve de fundo.

 

(Gostaria de saber o que farão os cartolas federativos, guardiães dos interesses dos pagantes da publicidade, se a uma dessas «entrevistas» comparecer um jogador com uma toalha estendida atrás, tapando o painel e assim responder ao jornalista...)

 

Pode obrigar-se a falar quem não quer? Isso não viola os seus direitos cívicos? Se não é tortura, o que é? E andam jornalistas metidos nisto - para mais convencidos de que estão a fazer jornalismo como deve ser? E o n.º 9 do Código Deontológico que diz que o jornalista se obriga, «antes de recolher declarações e imagens, a atender às condições de serenidade, liberdade e responsabilidade das pessoas envolvidas»?

 

«Quem faz as perguntas sou eu?» Olha, camarada jornalista, começa por fazer estas perguntas que aqui deixo - a ti próprio. E depois diz lá ao chefe que a tua ética te impede de entrevistar pessoas forçadas e que dificilmente estão serenas.

 

oscarmasc@netcabo.pt

publicado por flordocardo às 14:08

 

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro, sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?

 

              Carlos Drummond de Andrade (Brasil, 1902-1987)

 

(do livro «Sentimento do Mundo» - 1940)

 

publicado por flordocardo às 02:12

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