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Remexendo ainda no meu velho computador, deparo com este poema. Constato depois que o mesmo viu pela primeira vez a luz do dia no jornal «Luta Popular», edição de Julho de 2008. Continuo a achá-lo muito actual e por isso aqui o deixo, ainda que em 2ª. mão.
SINAL
Em contraste com as negras águas
que se acumulam nas ruas
o sangue tornou-se invisível
sem cotação no mercado
do «mercado livre»
O sangue foi tapado
silenciado
homogeneizado
pasteurizado
reutilizado em cubos de gelo
para cocktails com powerpoint
O sangue tornou-se
uma nódoa imprevista
e lavada
raspada
tornada a lavar
posta ao ar
para que o sol a seque
O sangue não é nada
para além de uma réstia na memória
breve menção no dicionário de uma língua
em coma - e que ainda assim se põe à venda
O sangue ficou à margem
televisivo
cinematográfico
como um veludo antigo
O sangue não matará
A violência do ar roeu-lhe tudo
Mas no quinhão imperceptível que lhe resta
sob o empedrado
lá no fundo
o sangue brilha e tece a conjura
o retorno
(Lisboa, Abril/Maio de 2008)