04
Dez 10

* 

 

Eis mais dois poemas encontrados no meu velho computador não portátil, no qual há tanto tempo não mexia (ver post de 1 de Dezembro).

O primeiro tem data e tenho quase a certeza que foi publicado algures, por aí - não lembro onde e em que momento.

O segundo, é por certo uns anos mais antigo; já levou tantas voltas e reviravoltas que lhe perdi a data original. Acontece. Fica aqui agora, na forma que julgo ser a definitiva.

 

E vocês, continuem por aí.

 

*

 

I

 

Quando as mãos não têm onde pousar

os dedos onde penetrar

e as mãos tremem

limitam-se a tremer e a mostrar-se inúteis

imagino que os olhos choram

as costas se curvam

os ombros desfalecem até ao outro dia

até ao meio-dia do outro dia

 

II

 

É preciso encontrar um lugar terno e afoito para as mãos

um lugar de origem

uma espécie de lugar eterno a existir

Claro

morremos para sempre

Mas de gostar-se ou não da vida

depende muita morte e o olhar

com que a fitamos regularmente

Acontece gostar-se

e gosta-se do modo

como por dentro dos olhos o vermelho cresce

 

III

 

As coisas acontecem pelo olhar

É um modo como qualquer outro

embora menos desprendido

É claro que morremos

e esquecemos

depressa ou devagar esquecemos

Porém como as mãos

olhar é coisa partilhável e que fica

como um modo expedito de estremecer a vida

 

*   * 

  

           SEM TÍTULO(s)

 

           Havia tudo na claridade do seu rosto

 

Os que a dor levou…

 

Os que não conseguem dormir…

 

Os que têm as mãos feridas de si…

 

Os que nascem famintos e assim morrem…

 

Os que sobrevivem remoendo…

 

Os que têm as lágrimas todas nos ombros…

 

Os que gritam com as unhas na carne…

 

Os que não aceitam o mundo…

 

Os que não têm voz plena…

 

Os que têm a verdade sob a língua…

 

Os que dedilham os lábios com urtigas…

 

Os que venceram queimando a boca…

 

Aqueles que caiem de borco no silêncio…

 

           Havia...

           Já não há?

 

                                   (Cruz-Quebrada, 28.11 - 06.12.2004)

            

publicado por flordocardo às 18:54

03
Dez 10

publicado por flordocardo às 21:28
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  ~  ~  ~ 

 

 

(Quero dar-te um nome, meu amor)

 

Quero dar-te um nome, meu amor,

um nome inventado,

um nome secretamente, que só tu conheças

e tires sozinha como um brinco da orelha.

Quero te dar um nome, meu amor,

mas só encontro este corpo, como escudo

em que grave o teu nome,

teu nome secretamente, que só os dois conheçam.

Quero te dar um nome, meu amor,

mas desisto. Estou aqui

e me dispo. Teu nome é o meu afago,

minha mão, minha ternura, eu não ser o teu nome,

tu

jamais existires.

 

                                    José Santiago Naud (Brasil, n. 1930)

(do livro «Conhecimento a Oeste» - Moraes Editores, Abril/1974)

                                                                                            

publicado por flordocardo às 17:40
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publicado por flordocardo às 00:13
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02
Dez 10

 

*  *

 

Passou ontem um ano sobre a entrada em vigor do Tratado de Lisboa. E a gente lembra-se logo do "Porreiro, pá!" de Sócrates a Barroso. Recordam-se do seu ar radiante com a aprovação do Tratado de Lisboa? Todavia, não vi ninguém a comemorar o aniversário.

Talvez se dê o caso de os bobos da corte terem, entretanto, ouvido a papisa Merkel afirmar que o dito Tratado tem que sofrer alterações… Será por isso?

 

publicado por flordocardo às 12:32

 

        *   *

 

- A profissão de escritor -

 

            «O escritor tem, naturalmente, de ganhar a vida para existir e escrever, mas não deve existir e escrever para ganhar a vida…

          O escritor nunca encara as suas obras como um meio. São fins em si; são tão pouco um meio para ele e os outros que, em caso de necessidade, sacrifica a sua existência à deles, e, à semelhança do pregador de religião, toma para seu princípio: “Obedece a Deus mais que aos homens”, homens nos quais se acha incluído juntamente com as suas necessidades e desejos humanos. Por outro lado, imagine-se um alfaiate, ao qual encomendo uma sobrecasaca parisiense e me apresenta uma toga romana porque está mais em conformidade com a lei exterior do belo! A primeira liberdade de imprensa consiste em não constituir um negócio. O escritor que a avilta num meio material merece, como castigo da ausência de liberdade interior, uma ausência de liberdade exterior, nomeadamente a censura, ou então a sua existência constitui já a punição.»

 

Karl Marx («Debaten ueber Pressfreiheit»)

 

 

Chema Madoz (Madrid - 1958) - da série "Surrealidad en blanco y negro"
publicado por flordocardo às 12:10
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 *

 

«Lembremo-nos que a literatura, porque se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública; dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço aonde se há-de receber esse misterioso filho do tempo - o futuro.»

 

                                                                          Antero de Quental (1842-1891)

publicado por flordocardo às 00:18
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01
Dez 10

*

 

Julgo que há mais de um ano que não mexia no meu velho computador não portátil.

Mexi-lhe há pouco. Encontrei uns poemas de que já não me lembrava. Reli-os; alterei-lhes pequeníssimas coisas; recordei outras (como o momento especial em que os escrevi, todos no mesmo dia - 26 de Agosto de 2009 -, bem como aquele em que, julgo eu, os li pela primeira vez a alguém).

Agora deixo-os aqui. Outros, também antigos, virão aportar aqui por este mês de Dezembro, pois, em boa verdade, pouco actualmente tenho escrito (é a vida e acontece).

 *  *  *

  

UM DESTES DIAS

 

Um destes dias subirei ao cume

do lugar onde a árvore perdurou

como um cristal

 

Falarei em surdina com a forma

difusa da sua ausência perene

como quem fala com seus botões

ou nódoas negras

 

Falaremos de coisas incomuns e simples

do arado reformado

do pardal sem baptismo que partiu

da forma conturbada e simples da nuvem que passou

e se desfez

 

Falaremos do minotauro

e do filho que não teve

do sal do pão

do beijo que almejava uma boca

onde as uvas cantassem seu próprio sumo

 

Sendo a conversa como as cerejas

falaremos também de coisas terríveis

do sangue dos inocentes (que nunca existiram)

do volátil ouro que arrepanha as mãos

da fome e da sede

dos trémulos tentáculos com que sugamos os sonhos

da febre e dos desvãos da alma

 

Chegado o cansaço

adormeceremos depois serenamente

sem nunca sabermos o dia de amanhã

ou sequer se acordaremos para nova conversa

noutro cume

noutro lugar

noutra coisa sem limites nem azia

*

 

NO LUGAR DA ÁRVORE

 

No lugar da árvore está agora o vento

 

A sua sombra desprende-se lentamente do sono

e vai com ele

em busca de outras folhas outros frutos outro timbre

 

No lugar da árvore abre-se agora um vinco

de semente que espera sol e água limpa

onde se aninha um silêncio sem culpa

 

No lugar da árvore está o sémen do vento

(que o «mercado de futuros» não viu ainda).

 

*

 

TECER

 

Desejo tecer um dia só para ti

Um dia de algibeira

portátil

 

Um dia com crinas de cavalo

risos de gato

bicos de melro

caudas de cão

pedras sibilantes

estrelas morosas

Um dia sem fechaduras

nem chaves que se esquecem

Um dia condizente com a noite

onde a flor dá gritos incandescentes

 

Quero inventar para ti um dia com quatro estações

onde o peito me doa e a boca se cale

e o burro escouceie com o morto em cima

ao som de canções rasgadas e sem tempo

 

Desejo tecer um dia só teu

E no meio de tal desejo

por entre o lastro e o suor

busco a agulha capaz de tanto

o feitiço ou exorcismo das coisas inomeadas

ignoradas mas latejantes de sangue

sôfregas de ar no beijo da carne

sem código de barras

 

                                                      (Cruz Quebrada, 26.08.2009)

  

publicado por flordocardo às 01:28

 

O dia 1 de Dezembro foi escolhido como Dia Mundial de combate à SIDA.

Segundo os dados oficiais existem 42 mil portugueses infectados com o vírus.

 

 

publicado por flordocardo às 00:53
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