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Fev 11

 

*   *

 

LISBOA - 1971

 

O chofer de táxi queixava-se da vida.

Ganha 400$00 por semana, o patrão conta

que ele se arranje do a mais com as gorjetas.

Os meus amigos morrem de cancro,

de tédio, de páginas literárias,

vi um rapaz sem as duas mãos que perdeu

na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele

só queria por enquanto «calçar» uma das

que, artificiais, lhe preparou tão róseas).

As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência

o autocarro, aumento de ordenado, a chegada

do Paracleto, bolsas da sopa do convento.

Mas o chofer de táxi contou-me que

discutira com um asno e lhe dissera:

«…V. que nesse tempo ainda andava a fugir

de colhão para colhão do seu pai

para ver se escapava a ser filho da puta…»

E é isto: andam de colhão para colhão

a ver se escapam – e muitos não escapam.

E os outros não escapam aos que não escaparam.

 

       Lisboa, 5 Agosto 1971

 

                                                        JORGE DE SENA (1919-1978)

 

(do livro «Poesia - III» - Moraes Editores, Lisboa/1978)

 

publicado por flordocardo às 01:02
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