Não te fies do tempo nem da eternidade
Não te fies do tempo nem da eternidade
que as nuvens me puxam pelos vestidos,
que os ventos me arrastam contra o meu desejo.
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!
Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
ó lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te escuto!
Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te digo...
*
«Um homem com fome não é um homem livre.»
Robert Stevenson
* *
Eis uma experiência empresarial de sucesso, tratada ontem pelo jornal I, com o seguinte título: «A crise não chegou à maior fábrica portuguesa de caixões».
O jornal adianta que a empresa se quer tornar na maior da Península Ibérica.
Já estou a ver o próximo governo (ou este ainda…) a ultimar facilidades fiscais para a empresa em questão.
Ele há cada notícia em tempo de crise…
* *
Laranjas
São laranjas que trazem os navios.
Alinham-se no cais. Circulam na cidade
São esta cor das ruas e dos montes
Inundam a manhã de claridade
Ladeiam os caminhos
Como quem volta aos ramos
Em cada mão acendem a promessa
Tão viva que magoa nos sentidos
E túrgidas se mostram. Ardem. Pulsam.
No coração dos homens,
Redondas, como um gládio, amadurecem.
Edgar Carneiro (1913-2011)
(do livro «Antologia Poética» - Espinho, Elefante Editores, 1998)
* *
Queria dizer outras coisas
Morde-me os lábios um grito
e eu queria dizer outras coisas.
Sucede que as palavras não sossegam
- tormenta onde passa todo o mundo e ninguém
…
Queria dizer-te
queria dizer outras coisas
Queria ouvir-te
entre a noite que galopa para o grito do dia
Queria os lábios já soltos
para o sangue que há-de vir
Estou mais próximo do que queria dizer
(há um formigueiro nos meus dedos
não posso apanhar frio)
e queria dizer outras coisas
Queria dizer outras coisas
(Parede, 26.03.2011)