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Era para vos falar do êxito que a greve geral do passado dia 24 indubitavelmente constituiu (bem superior à verificada há um ano atrás, pois mobilizou cerca de 3 milhões de trabalhadores portugueses e proporcionou um verdadeiro "murro no estômago" na política da tróika e do actual governo). Mas... Sucede que só agora consegui ler na íntrega o Manifesto encabeçado por Mário Soares e intitulado «Novo Rumo», posto a circular horas antes do iníco da greve geral. Ora, tal leitura serviu para confirmar novamente que Mário Soares é um experiente político da treta...
Assim, não resisto a comentá-lo e observo que:
1. A intenção do Manifesto não constituiu outra coisa que não seja uma tentativa de colagem à greve geral, uma tentativa de aproveitamento do descontentamento crescente do movimento operário e popular face a situação actual do país e à política dos criminosos responsáveis pela mesma. O Manifesto apareceu para cavalgar a onda...
A greve geral do dia 24 foi a mais importante dos últimos trinta anos, mas não graças ao Manifesto soarista, como é óbvio (pois este nem sequer a apoiou em qualquer momento), mas antes graças à revolta activa, desta feita mais organizada e firme, dos trabalhadores portugueses.
2. Depois, o Manifesto soarista é, de fio a pavio, de um oportunismo sem limites. Diz-nos que “este é o momento de mobilizar os cidadãos de esquerda que se revêem na justiça social e no aprofundamento democrático como forma de combater a crise”!...
Sim? Então o ano passado, na greve geral de Novembro de 2010 e sob o consulado do governo Sócrates, já não era o momento para a esquerda se levantar contra a crise?
3. O Manifesto diz-nos que “É preciso encontrar um novo paradigma para a União Europeia”!...
Ó Dr. Soares: se é preciso um novo paradigma para a União Europeia, é, obviamente, porque o actual paradigma não serve nem presta. Mas quem aprovou o actual paradigma da UE e o impingiu aos portugueses, senão o Dr. Soares e os governos do PS?! Quem foi que se opôs à discussão nacional do actual paradigma e ao referendo dos sucessivos tratados europeus, senão o Dr. Soares e o PS?! Os "socialistas" não subscreveram sempre as imposições do eixo franco-alemão para a UE?!
Por outro lado, se o actual paradigma neste momento já não presta, qual é então para o Dr. Soares, em concreto, o novo paradigma que ele defende? E será também para não referendar? Sobre isto, nem uma palavra se vislumbra no Manifesto...
4. Mas o Manifesto diz também outra treta: ”As correntes trabalhistas, socialistas e sociais-democratas adeptas da 3ª Via foram colonizadas na viragem do século pelo situacionismo neo-liberal”.
Então Sócrates não é essa terceira via de Blair e Zapatero ? E não foi o Dr. Soares que nos anos 70 do século passado meteu o socialismo na gaveta?!
5. O Manifesto apresenta-nos outra tese velha e relha: defende “um Estado ao serviço exclusivo do interesse geral” !...
Então o Dr. Soares não sabe que o Estado está sempre e exclusivamente ao serviço da classe dominante e que, enquanto houver classes e luta de classes, o interesse geral é única e exclusivamente o interesse da classe dominante?!
Ora, Dr. Soares... Tendo estado duas vezes no governo (sem contar com os provisórios) e tendo o seu PS sido governo ao longo de mais de 20 dos últimos 37 anos, porque é que não instauraram nessa altura esse celebérrimo Estado ao serviço exclusivo do interesse geral?!
6. Por último, e para abreviar, o Manifesto diz-nos outra treta: ”os signatários opõem-se a políticas de austeridade que acrescentam desemprego e recessão, sufocando a recuperação da economia”.
Mas não foi essa, Dr. Soares, a política do Sócrates que você apoiou e com o qual andou de braço dado nestes últimos anos? E os seus acordos com o FMI não impuseram ao país austeridade, miséria e desemprego?!
7. Conclusão: com manifestos destes não vamos a lado algum!
É tempo do Dr. Soares se calar e, sem dúvida, escrever as suas memórias (mesmo que estas possam, também, vir a ser da treta).