* * *
O OSSO CÔNCAVO
Ó ímpeto do Espírito,
radícula que o vento despenteia e o músculo imprime
travejado por dentro!
Ó longilínea dilatação do tempo,
barca oblonga onde nascem os rios, lentos,
adornando seu plasma na noite!
Da tua anca de água negra, das cavernas
soltas no dorso do abismo,
é que te escarvo, osso côncavo,
a fauce rilhando de te lancetar a carne inútil,
o gume da estraçalhada língua, o sibilante enigma,
a curva suspensa e a sombra eléctrica,
ó força, ó inominado!
E de te ver!
Nem linha elíptica, tu a combinatória do que persiste
no desvão das palavras, quando ingénuas convocam
a eternidade, e nem trave rectilínea ou frontispício,
ou ensanguentada testa de fauno,
tu que só aceitas o esterno e o ilíaco
e a lava que se derrama dos pulmões furiosos;
E concebeste o indizível! Como dizer o que há no vazio
em riste dessa curvatura, oscilante eco sem memória
de ventre onde nem a águia se atreve ao vôo
e a serpente se desenrola até à evaginação de si?
Não te nomeio. Caminho. E o plano se inclina, grave,
ondulantemente terrível. Névoa ou pele ou pano,
já às raízes se contraem e pulsam, odoríferas, húmidas,
um enxamear de deuses espargindo a poeira;
E tu, intacto, flutuante onde ninguém te disse
e a palavra se acoita, espasmódica,
fetal. Seu silêncio enformando-o, ao osso,
côncavo.
Luís Carlos Patraquim (n. Moçambique, 1953)
(do livro «Osso Côncavo e Outros Poemas» - Editorial Caminho, 2005)