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O HÁBITO FAZ O MONSTRO (edição especial antológica)
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O HÁBITO FAZ O MONSTRO (edição especial antológica)
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Eis uma decisão que só peca por tardia.
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POEMA
silenciosamente aproximo-me do poema
circundo-o duma palavra faço nela
uma incisão deliberada
e exponho a ferida ao ar sem protegê-la
para que infecte e frutifique
de resina ainda com gosto a papel húmido
o poema cresce ramifica-se
comovidamente do cerne para a casca
inteiro liso adstringente sinuoso
mas
todo o poema é perfeitamente impuro
Vasco Graça Moura (n. 1942)
(do livro «Poesia Reunida - vol. 1 - 1962-1997» - Quetzal Editores, Outubro/2012)
Citado pelo jornal inglês The Guardian, o ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, afirmou, numa reunião destinada a preparar cortes orçamentais nos sistemas de saúde e segurança social, que os cuidados de saúde para os doentes mais idosos constituem um «custo desnecessário» para a economia e que devia ser permitido «deixar esses doentes morrer rapidamente» para garantir o equilíbrio das contas públicas.
O assassínio em massa de uma parte da população foi assim defendido abertamente pelo principal responsável pela condução das políticas económicas num dos países mais avançados do mundo actual. Para alguma "esquerda" e algumas almas caridosas, está-se em presença de um monstro que é preciso neutralizar. Porém, o sr. Taso Aso limitou-se a exprimir sem subterfúgios aquela que é a lógica de organização social em que vive o Japão, Portugal e uma enorme parte dos países do mundo.
Quantos Taso Aso não terão estado presentes naquela "homília" realizada há dias no Palácio Foz pelo PSD e o CDS-PP, destinada a discutir o «Estado Social» e o futuro dos chamados «direitos adquiridos»?... Muitos!!!
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Soube-se há uns dias que em 2011 o Sr. Ricardo Salgado, do BES, se “esqueceu” de declarar ao fisco 8,5 milhões de euros.
Recordei-me logo que em Abril desse ano de 2011 o banqueiro em questão foi à televisão dizer que a situação portuguesa era preocupante e que seria necessário pedir um resgate financeiro. Sócrates, então Primeiro-ministro, logo acabou por seguir o conselho do venerável banqueiro…
O resgate tem servido, entretanto e unicamente, para salvar gente como o Sr. Salgado que, no entanto, em entrevista à última edição do «Expresso», afirma que «os banqueiros saíram mal desta crise financeira, de uma forma geral». E acrescenta que «a correcção dos erros do país está a ser feita». Pudera!...
É claro que, entretanto, o Sr. Salgado fez saber que regularizou a sua situação perante o fisco e que está «tranquilo» relativamente aos processos que estão a ser investigados pela Justiça e que envolvem quadros do BES.
Uma coisa eu sei: é gente do tipo do Sr. Salgado que arranja capatazes para os governos do capital que temos tido, despedindo-os e substituindo-os quando acha conveniente. Capatazes esses que continuaremos a carregar às costas enquanto não virarmos tudo isto do avesso - incluindo, é claro, gente da estirpe mandante e «tranquila» do género do Sr. Salgado!
(PS – Talvez seja para evitar que tudo seja virado do avesso que o orçamento do MAI foi aumentado este ano, não acham?)
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Segundo dados de 2009 fornecidos pelo Eurostat, em Portugal existem 4,6 polícias por cada 1000 habitantes. Aqui, “polícias” significa agentes da PSP e da GNR. Este índice é superior ao da Alemanha (3) e da Grécia (4,5), por exemplo, e superior também ao da média da UE (3,7), só sendo ultrapassado pelo da Espanha (5,1).
Neste ponto (haja um!) concordo como o famigerado relatório do FMI, o qual chama a atenção para a necessidade de redução do número de polícias.
Porém, não esqueço que o Ministério da Administração Interna viu o seu orçamento para 2013 aumentado em 12,3 por cento relativamente a 2012, ou seja, vai embolsar mais 2,1 mil milhões de euros. E não me consta que o FMI tenha feito até agora qualquer referência crítica ao caso…
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O meu corpo procura o sítio
onde as lágrimas se transformem em vinho
(Parede, 18.01.13)
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Que o meu irmão me beije e se beije no meu beiço como se fôramos a
flor de outra justiça
Maria Velho da Costa (n. 1938)
(do livro «Corpo Verde» - Contexto, editora Lda., Lisboa/1982)