* *
- 3 Poemas do livro «A Terceira Miséria», de Hélia Correia (n. 1949) -
*
23. (A terceira miséria é esta, a de hoje)
A terceira miséria é esta, a de hoje.
A de quem já não ouve nem pergunta.
A de quem não recorda. E, ao contrário
Do orgulhoso Péricles, se torna
Num entre os mais, num entre os que se entregam,
Nos que vão misturar-se como um líquido
Num líquido maior, perdida a forma,
Desfeita em pó a estátua.
24. (O que não sabe)
O que não sabe
De cor poemas como os que salvaram
Literalmente os soldados que, vencidos
E condenados a morrer à míngua
Ou a serem vendidos como escravos -
Atenienses contra Siracusa -,
Deram aos inimigos, mais valioso
Do que ouro podia ser, versos de Eurípides,
E em troca disso foram libertados.
33. (De que armas disporemos, senão destas)
De que armas disporemos, senão destas
Que estão dentro do corpo: o pensamento,
A ideia de polis, resgatada
De um grande abuso, uma noção de casa
E de hospitalidade e de barulho
Atrás do qual vem o poema, atrás
Do qual virá a colecção dos feitos
E defeitos humanos, um início.
(Edição da Relógio D’ Água Editores, Fevereiro de 2012)