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MANUAL (obviamente prático e descartável)
Um livro de poesia não se lê como os outros – eis o que a prática me ensinou.
Começa-se pelo título em boa parte das vezes claro mas depois… Lê-se o primeiro poema ou verso e segue-se por aí buscando um fio. Depois consulta-se o índice (tenho relutância intensa em ler um livro que o não tenha) e persegue-se um título, um primeiro verso que nos prenda; e vai-se a essa página ver o objecto (os poemas são object(iv)os).
Depois fecha-se o livro passeia-se com ele por aqui e por ali como se lhe déssemos ar e/ou ele fosse a chave de casa. Mais tarde volta-se a abrir o objecto-livro (o livro também deve ser um objecto agradável à curiosidade mais funda do olhar) numa página ao calhas ainda não vista ainda não lida; e segue-se mais uma página e outra e outra. Fecha-se de novo o livro.
Ao abri-lo mais adiante por vezes pára-se num poema que nos afronta que não penetramos. Instala-se alguma augústia. Arranjei para tanto uma técnica de decifração: pelo próprio punho reescrevo esse poema para o papel ou para o computador; e guardo e volto a ler. E durante esse processo e/ou no fim dele descubro coisas que antes não conseguira vislumbrar. Na maioria das vezes é através dessa nesga de luz que o poema obscuro passa a ser aceite a ser do livro a ser como que meu. Costumo ensinar este pequeno truque às pessoas de quem mais gosto.
Mais tarde ou mais cedo o livro arruma-se num qualquer lugar. Até se voltar a pegar nele e a lê-lo por vezes como os outros do princípio para o fim e na íntegra. E até meses ou anos mais tarde se voltar a tê-lo na mão por mero acaso ou não; e voltar a abri-lo numa qualquer página ou em concreta busca do poema que no seu seio entre todos os demais nos calou mais fundo. É esse poema que por norma se divulga aos amigos. Faz-se isso (e tudo isto) por necessidade de uma «vida aguda atenta a tudo» como nos diz Herberto Hélder num dos poemas do seu último livro - «Servidões».
Acresce dizer que os livros de poesia também não se arrumam como os outros. Arrumam-se à altura (e à largura) dos olhos ou um tudo nada mais acima para que nos peçam que a eles voltemos.
Um livro de poesia não se lê como os outros (e este texto também não). É certamente por isso que rarissimamente leio outros.
(PS - Está uma manhã estupenda, apesar de eu ter dormido pouco mais de duas horas)