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A PÁGINA BRANCA
Havia uma vez, naquela cidade de província
onde joguei bilhar no intervalo de ver chegarem
e partirem as traineiras, uma jovem mulher
que se sentava na mesa mais triste do café,
e olhava em frente, sem que os seus olhos
mudassem de expressão. Todos os dias era
assim, e dela só fiquei a saber que ninguém
a conhecia. Na mesa, o mesmo livro com o mesmo
marcador que nunca saía da mesma página,
e que ela nunca abria como se não quisesse saber
como a história acabava. Naquele café, tiraram
o bilhar; naquela cidade já não há traineiras
a chegar e a partir; mas quando olho para
a mesa do canto onde a jovem mulher se
sentava, penso sempre na história que ficou
a meio, sem que eu saiba como acabou.
Nuno Júdice (n. 1949)
(do livro «Navegação de acaso» - Publicações Dom Quixote, Lisboa, Nov./2013)