31
Mar 14

 

*   *

 

O CEGO E A GUITARRA
 

O ruído vário da rua  
Passa alto por mim que sigo.  
Vejo: cada coisa é sua  
Oiço: cada som é consigo.
Sou como a praia a que invade  
Um mar que torna a descer.  
Ah, nisto tudo a verdade...  
É só eu ter que morrer.

Depois de eu cessar, o ruído.  
Não, não ajusto nada  
Ao meu conceito perdido  
Como uma flor na estrada.
 
Cheguei à janela  
Porque ouvi cantar.  
É um cego e a guitarra  
Que estão a chorar.
 
Ambos fazem pena,  
São uma coisa só  
Que anda pelo mundo  
A fazer ter dó.

Eu também sou um cego  
Cantando na estrada,  
A estrada é maior  
E não peço nada.
 
                 Fernando Pessoa
 
publicado por flordocardo às 14:59
tags:

Março 2014
Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
12
13
14

16
17
18
19
20
21
22

26
27
29

30


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

subscrever feeds
mais sobre mim
pesquisar
 
blogs SAPO