(Apesar da tarde não estar amena...)
* * *
NO BANCO AO PÉ DAS NOSSAS CASAS
À memória da minha amiga
Marta Furtado
aquela tarde amena foi a última
a ver-te por aqui. sei que perguntaste
à minha mãe por mim, estava eu
longe, no meu emprego estável,
começando a ganhar a vida e
a perder a alma aos pontos.
amena, ainda a tarde esteve contigo
e eu não, neste banco ao pé
das nossas casas, onde me sento
hoje à espera que a tua voz me fale
de poetas, paixões vertiginosas, pintores
que descobriste, de uma passagem dos
The The que cantas sem respirar.
talvez pudesse agora devolver-te
qualquer coisa, mostrar-te como
as músicas de Lhasa, estas fotografias
de Paris com neve e este filme do
Clint Eastwood sobre a redenção e o amor
podem ajudar a atravessar uma noite.
mas tu deves estar a desenhar
e a esta hora, Marta, já não vens.
amanhã, se a tarde estiver amena,
trago tudo comigo e espero por ti
neste banco ao pé das nossas casas
Renata Correia Botelho
(do livro «Small Song» - Averno, Setembro/2010)