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PECADO ORIGINAL
É sem esforço, digo, é natural
como os naturais rebentos da lezíria,
que cresças, ó poesia, e desejes
crescer mais ainda, até ao tecto
inacabado das palavras. Não entendes,
por isso, viver entre tanto quotidiano,
tantos gestos armados de realidade:
sinais contidos, passos em frente,
domésticos, para a utilidade
de enfrentar os teus fantasmas.
Somos todos teus fantasmas,
ó poesia, ansiosos ou quebrados,
somos todos restos de ti. Por isso
te limpamos, como ao restolho,
dos nossos dias e vamos também
crescendo, cheios de impulso.
Manuel Fernando Gonçalves (n. 1951)
(do livro «Fechamos a alma, ao fim da tarde, com estrondo e animação» - &etc, Janeiro/2007)