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1. Tomando posse e discursando na quarta-feira de cinzas, Cavaco Silva resolveu em plena Assembleia da República prolongar o Carnaval. De facto, depois de uma imensa e enjoativa expectativa criada pela comunicação social em torno do que iria ou não iria ser o teor do programado discurso, eis que o discurso em si constituiu uma manifestação de impotência política (de Cavaco, mas sobretudo do estado nauseabundo a que chegou o poder dominante).
Vestindo agora a pele de uma espécie de tribuno do povo (que até proclama ser preciso “dar voz a quem não tem voz”!...), Cavaco incentivou Portugal a protestar contra o governo do engº. Sócrates. Admirados? Não vejo razão para tal. Na verdade, Cavaco mais não pretende do que um acréscimo de popularidade que lhe permita, sem grandes engulhos, dissolver a AR, fazendo cair o governo.
Por isso, eu continuo na minha: pelo menos momentânea e conjunturalmente, Cavaco assume-se como chefe da “oposição” (burguesa, claro) ao governo reaccionário de Sócrates. Só lhe falta - se é que já não o fez - mandar calar uns desbocados do PSD, tipo Menezes, Rio, Santana Lopes e outros…
O problema (nosso) é que “situação” e “oposição” a mesma cambada são. O bacalhau não foi enterrado na quarta-feira e, portanto, o Carnaval continua.
Mas uma coisa é certa: não aceito que me imponham a “opção” de ter que escolher entre a forca e cadeira eléctrica para que o país ultrapasse a crise. Pura e simplesmente a crise não se ultrapassa por qualquer dos lados desta falsa dicotomia carnavalesca.
Eles, num beco sem saída, conduzem-nos para o precipício. Nós temos que abrir uma saída no beco.
2. A comprovar isto mesmo (quer dizer, o Carnaval, o beco sem saída e a urgência de encontrar uma saída) temos as novidades “adicionais” anunciadas ontem pelo executivo “socialista”.
De manhã, o ministro das Finanças chama os jornalistas e anuncia as novas medidas de austeridade; zelosos, os jornalistas apressam-se a divulgá-las pela manhã e pela tarde; para logo horas depois, já noite, o Primeiro-ministro anunciar no final dos Trabalhos da Cimeira Europeia aquelas mesmas medidas, revelando que foram apreciadas pelos seus pares europeus e pela Alemanha em particular.
Isto é, meus caros, a democracia representativa no seu apogeu. Digam lá se não é assim que ela se pratica, desenvolve e frutifica?!