* * *
A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Não há guarda-chuva
contra o poema
subindo de regiões onde tudo é surpresa
como uma flor mesmo num canteiro.
Não há guarda-chuva
contra o amor
que mastiga e cospe como qualquer boca,
que tritura como um desastre.
Não há guarda-chuva
contra o tédio:
o tédio das quatro paredes, das quatro
estações, dos quatro pontos cardeais.
Não há guarda-chuva
contra o mundo
cada dia devorado nos jornais
sob as espécies de papel e tinta.
Não há guarda-chuva
contra o tempo
rio fluindo sob a casa, correnteza
carregando os dias, os cabelos.
João Cabral de Melo Neto (Brasil, 1920 - 1999)
(do livro «Duas Águas (Poemas Reunidos)» - José Olympio, Rio de Janeiro/1956).