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Miguel Portas morreu. Conheci-o, pessoal e clandestinamente, em 1973 - tempos do movimento associativo dos estudantes do ensino secundário (MAESL) e da criação da união dos estudantes comunistas (UEC). Lembro-o como um tipo franzino, mas de cara redonda, sardento, cabelo cor de cenoura. Na ocasião, numa tarde ali no Jardim dos Jerónimos, em Belém, era ele a tentar puxar-me para um lado e eu a dizer-lhe que já tinha um lado bem definido, sendo escusado, portanto, ele tentar argumentar mais. Recordo que o banco de pedra onde estávamos tinha como "decoração" uma tira de papel kraft, daquelas com goma no verso, convocando uma manifestação para o dia 12 de Outubro, data em que passaria um ano sobre o assassinato do estudante Ribeiro Santos pela Pide. Despedimo-nos até outro dia - ele sorrindo e olhando de soslaio a dita tira.
Perdemo-nos de vista. Só nos voltámos a ver, por breves instantes, na Casa do Alentejo, num encontro de discussão sobre o movimento contra a intervenção da NATO na ex-Jugoslávia.
Tenho para mim que, entre as pessoas do BE que conheço, ele era o único com dois dedos de testa e honestidade intelectual para pensar sem ser no curto prazo, embora dele (política e ideologicamente) discordasse na maior parte das vezes. Aquela última ideia dele de defesa da dita "Primavera Árabe", ó nossa Senhora!...
Agora? Agora não vamos ter oportunidade de discutir mais nada. Agora só posso dizer adeus a alguém com quem minimamente se podia discutir qualquer coisa sem sofismas. E, de certo modo, quase sempre com um sorrido dos lábios - um sorriso que, para mim, nunca soou a falso. Era e é salutar ter adversários políticos assim.
Eis a minha opinião, o meu testemunho; opinião e testemunho que ninguém me pediu, mas que faço questão (embora esteja a ficar velho para isto) de aqui vos deixar.