É o meu segundo poema deste ano novo. Consumiu-me largas horas e horas deste dia. Talvez ainda impuro esteja, mas tinha que o pôr hoje aqui.
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E SE EU…
(a todos os meus amigos)
E se eu vos falasse dos mortos e dos vivos
do que passa e do que fica pelas janelas
altas da dor e do espanto álacre dos dias?
E se eu vos desse um pouco mais deste sangue
da ventosa vela azul que sustenta os pássaros
da tremura que acende minhas magras mãos?
E se eu vos revelasse um exorcismo de olhos
que não acabam e são de certos lábios outra face
a outra parede de uma casa térrea e doce?
E se eu vos oferecesse um beijo ardente
um abraço igual ao dos ilhéus ao visitante
depois da bruma do inicial receio?
E se eu acabasse de vez por entre os muros
ou nuvens que esqueceram o seu rumo
ou uma viga sem memória de ter feito tanto?
E se eu vos mostrasse a impressão de que parto
tarde como um pedreiro que sai da sua obra
ou cão que não encontra a casa onde (re)nasceu?
E se eu vos dissesse que o mar é já ali
e me sustenta o corpo raso e afluente
porque eu amo entre as hastes de quem amo?
Cruz Quebrada, 03.01.2010
Passing Away Into Unseen Worlds - Andy Kehoe