* * *
O TEMPO E OS OLHOS
Há um minuto quebrado
- Um instante que estava prometido -
Num busto de gesso mutilado
Com pó acumulado
Aonde o coração tinha batido
Não quero ser estátua nem esboço.
Antes a aranha que lhe tece a teia
Do que o volume imóvel duma veia
Que sobressai dum músculo sem osso.
Não quero ser a forma repartida
Por quantos a copiam e separam
Da sua íntima luz adormecida.
Quero é um corpo que tenha cheiro, e vida.
Quero na estátua as mãos que a modelaram.
Quero os teus olhos húmidos e graves
E tristes de pensar,
Postos no tempo sem o copiar
E suspensos dele, como o das aves.
António Norton
(in «Líricas Portuguesas - II Volume» - Selecção e apresentação de Jorge de Sena - Edições 70, 1983)