Apanha-me na cama, ouvindo telefonia. Juro!
É madrugada de quinta-feira e apercebo-me, aí pelas 3 horas da manhã, de que algo de anormal se passa: música estranha na rádio; mas adormeço. Pelas 6.30 horas oiço de novo a rádio. As tropas estão na rua.
Estranho ninguém me telefonar. Todavia, perante os apelos radiofónicos à «calma» e a que se fique «em casa», resolvo vir para a rua (que foi exactamente o que a maioria dos portugueses fez, e bem)!
Chego ao Cais do Sodré, em Lisboa, pelas 8.30 ou 9 horas. A situação é notoriamente tensa. Estou na Ribeira das Naus. Tropas no largo do Corpo Santo, bem próximo de onde estou, e tropas no Terreiro do Paço. Ignoro quem são os autores do golpe.
Até que vem alguém do lado do Terreiro do Paço, levantando um pano branco. Um dos militares do lado onde me encontro recebe ordens para disparar e dispara uma rajada curta de metralhadora. Dispara meio para o ar e vejo os projecteis embater no torreão sul das arcadas, lá ao longe – o que irrita solenemente o mandante. Do outro lado não há resposta aos tiros.
Fico com a nítida sensação de que estou do lado errado... Tento sair dali, mas todos os caminhos me surgem barrados por militares, da Rua do Arsenal à Rua do Alecrim. Passadas mais de duas horas naquele impasse (não havia telemóveis, se bem se lembram) resolvo voltar para casa e tentar seguir os acontecimentos pela rádio ou pela televisão.
Para mim, o 25 de Abril de Abril começa realmente no(s) dia(s) seguinte(s), ao voltar a Lisboa, ao reatar contactos com outros camaradas, colegas e amigos, ao envolver-me em manifestações e na preparação do 1º. de Maio.
O povo está na rua! Um golpe militar transforma-se em revolução!
Continuem por aí que eu volto já.