Ofereço-vos agora dois poemas de Daniel Faria (Portugal, 1971-1999).
Banda sonora de fundo? Astor Piazzola e o seu Quinteto de Tango, em concerto na cidade de Lugano.
Fiquem bem.
* * *
(As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões)
As mulheres aspiram a casa para dentro dos pulmões
E muitas transformam-se em árvores cheias de ninhos – digo,
As mulheres – ainda que as casas apresentem os telhados inclinados
Ao peso dos pássaros que se abrigam.
É à janela dos filhos que as mulheres respiram
Sentadas nos degraus olhando para eles e muitas
Transformam-se em escadas
Muitas mulheres transformam-se em paisagens
Em árvores cheias de crianças trepando que se penduram
Nos ramos – no pescoço das mães – ainda que as árvores irradiem
Cheias de rebentos
As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.
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ELOGIO DA MULHER (Pr 31, 14)
O coração da mulher é alto
Mas nem só por isso a mulher oscila
Ela é como o navio mercante
Que chega carregado de grão
A mulher é o tear dentro da vida
Nem só por isso a mulher é mais que a vida
Ela é como o navio mercante
Que chega carregado de grão
(poemas extraídos do livro «Homens Que São Como Lugares Mal Situados», Fundação Manuel Leão - Porto, 1998)