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LXVI
À morte peço a paz, já farto disto tudo,
farto de ver o mérito a mendigar o pão,
e ornar a inanidade o mais rico veludo,
e a mais ingénua fé rasgada na traição,
e o ouro de honrarias em despejados bustos,
e toda a virgindade à bruta rebentada,
e a justa perfeição nos trapos mais injustos,
e o valor contra a inépcia já não valer de nada,
e à força a autoridade na arte pôr mordaça,
e doutorais pedantes dar ao talento lei,
e a mais simples verdade por lorpa como passa,
e no cativo bem o mal ser sempre rei.
Já farto disto tudo, não mudo de caminho
pra não deixar, morrendo, o meu amor sozinho.
(in «50 Sonetos de Shakespeare» - Tradução, Introdução e Notas de Vasco Graça Moura - Editorial Presença, 2ª. edição, 1987)