* *
A VIDA: ÚLTIMAS TEIMOSIAS
À carne são permitidos todos os desastres.
Esta oliveira segura ainda
os próprios intestinos com as mãos. Nada
veio de súbito preveni-la do fim.
Mas não há noites totais. Na mais escura
o peixe do fundo do rio vem até à superfície
fazer sinais com o seu semáforo. Penso
no sorriso da deusa ausente acaso do Olimpo
quando o monje veio procurá-la. Uma deusa
de seios tão firmes que neles se poderia partir
um martelo de bronze. E o Olimpo ensopado pela urina
doutros poetas e doutros monjes mesmo assim de bexigas cheias.
Tu vês? A vida insiste em excesso para que sobrevivamos:
emprenhar deusas! Uma luz intensamente
brilha. Sim! Brilha! Brilha! É uma oliveira
teimando em dar azeite até ao desastre.
Alexandre Pinheiro Torres (1923-1999)
(do livro «A Flor Evaporada» - D. Quixote, Lisboa/1984)