09
Abr 13

 

*   *   *

 

 

SEQUÊNCIA DO SEGREDO E DO VENTO

 

 

queria dizer-te um segredo qualquer/ coisa impossível no princípio/ e no fim talvez/ sobre fome e poesia talvez

 

mas como actor imperfeito não sei/ se diga não sei se conte não sei/ se mostre o corpo de delito/ uma onda para os lábios ou simplesmente/ uma língua

 

mas talvez tu/ saibas o real valor do vento

 

*

 

devia calar-me/ pouco a pouco bem sei ser a polpa/ exígua deste corpo de delito

 

o tempo porém não sossega este/ riso sagrado esta morte profana este/ fluxo de crimes este silêncio/ pungente que reclama exactidão

 

*

 

neste lugar dissipam-se palavras/ cruciais em labirintos acessórios/ rombos minuciosos surdos/ tornando ingrato levantar as horas entre a terra e o mar

 

não se culpe o vento/ nem a chuva a intimidade da lama/ o sarro dos muros que vacilam

 

o tempo treme suspenso/ simplesmente enquanto o sangue escorre

 

*

 

examine-se como as pedras/ ardem como a luz descobre frinchas/ que os olhos desconheciam e/ o silêncio transborda como ferve o vinho

 

apesar de tudo o sol faz/ lentamente o seu caminho as palavras/ retomam o ar reerguem-se/ alinham-se

 

examine-se como as palavras ganham/ peso para o combate sob o vento

 

*

 

podem surgir agora versos que/ rasguem aluviões o falso cimento/ da impossibilidade a turva facilidade/ da mentira a mais reles perversidade ou tão só/ a fome ainda que sussurrada

 

talvez já possa/ dizer-te um segredo assente na razão/ invocando precisamente uma razão madura/ e limpa material alinhada com o vento

 

escutarás tu?

 

 

(Parede, 23.03 - 08.04.2013)

 

 

publicado por flordocardo às 11:31

20
Mar 13

 

*   *

 

anestesia

(«…pão-de-ló molhado em malvasia» - cesário verde)

 

o senhor gaspar dá anestesia.

faz lembrar…

como cesário diria

«…pão-de-ló molhado em malvasia»

 

(de uma sequência ja concluída, intitulada Vestígios dos últimos crimes)

 

 

publicado por flordocardo às 17:51

15
Mar 13

 

*   *   *

 

durante toda a noite a noite/ despedaçou-se contra os frágeis muros as casas sob o olhar/ dos plátanos despidos antecipando o regresso violento/ da chuva

 

não se ouvem já sequer os cães e as lágrimas/ são atravessadas pelo lado mais difícil/ por dentro turvando/ o olhar em pétalas soltas como raios

 

depois um silêncio incólume abate-se/ sobre o vento a chuva a trovoada as palavras/ indecisas dos versos ainda titubeantes

 

fica só uma réstea de luz talvez/ para amanhã talvez mais logo/ tecer a linha nítida e fluente do que trouxe a noite/ ao pensamento destes dias repletos onde/ mil coisas nascem e dançam onde/ os olhos se fecham para escutar melhor/ tudo o que espera ser assombração e/ espanto outra forma de respirar

 

 

(Parede, 07-10.03.2013)

 

 

publicado por flordocardo às 00:59

01
Mar 13

 

*   *   *

 

ITÁLIA  (poema de uma sequência em curso)
 
ai itália pobre itália
onde sobem clamores e juros
 
o papa continuará a vestir de branco
largando porém os sapatos vermelhos
 
e consta que a polícia alemã
isolou já o local exacto ...
onde o “anel do pescador” será destruído
 
(Parede, 27.02.2013)
 
publicado por flordocardo às 00:48

28
Fev 13

 

 

*   *   *

 

 

bipolar(ização)

 

 

coelho está por saber

se é mais relvas que gaspar

 

osso duro de roer

julga-se às vezes bipolar

 

zé seguro?

um belo par!

 

 

(Parede, 22.02.2013)

 


06
Fev 13

 

 

*   *   *


NESTA FRIA NOITE DE CÉU LIMPO

(poema em “caixa baixa”)

 

gostava de ter comigo um termómetro

um relógio qualquer

uma máquina fotográfica

para medir o frio desta noite fria

e suas hastes de luz

 

apenas sei de um homem que vagueia pela noite

meio curvado com sapatos e sem meias

de outro que fala sozinho

e adormece agarrado a um livro velho

e de outro ainda a quem arranjaram casa

e lança garrafas vazias pela janela

 

que vivo e morro e vivo morrerei

e que ainda assim a erva cresce sob as estrelas

sob o manto solene da noite silenciosa

e da lua que não vejo por agora

eis o que sei também

 

daqui a nada virá o varredor

pelo menos à rua principal

desafiando sem alarido o termómetro e o relógio

fotografando beatas e talões com o olhar

duvidando se faz parte do estado social

e se tem pernas e braços para tanto ordenado ao fim do mês

enquanto as horas humedecem a roupa e os ossos

e os ulriches dormem ainda e sempre

com a pistola debaixo da almofada

 

vou deitar-me

tenho que me deitar para medir com os ossos o frio

o frio desta noite fria

ilusoriamente imóvel

 

Mais logo o dia estará claro

provavelmente cheio de um radiante sol de inverno

e os jornais falarão de crise

de recuperação de mercados de mourinhos

de torrenciais paixões de deslealdades

de inóspitas traições caseiras

e mais uma noite

esta noite terá passado

 

Sem outdoors nem máscaras

roem-se os nervos e a náusea

e afiam-se facas rombas
versos impuros

nesta fria noite de céu limpo

 

(Parede, 04.02.2013)

 

publicado por flordocardo às 01:02

20
Jan 13

 

*   *   *

 

O meu corpo procura o sítio

onde as lágrimas se transformem em vinho

 

(Parede, 18.01.13)

 

 

publicado por flordocardo às 00:00

12
Jan 13

 

 

*  *  *

 

Reuni até agora 120 dos meus poemas. É altura de parar, por agora, este meu «Rasto Portátil». O que vier a seguir fará parte de outro registo - caso o tempo me chegue e eu tenha engenho e arte para tanto.

Agora há ainda que procurar e juntar os poemas que por aí andam dispersos em jornais e outras coisas assim. A trabalheira continua, portanto.

   

 

publicado por flordocardo às 23:36

 

    *   *   *

 

COMO UM ARADO FARIA

 

Quando acabo começo

por princípio

 

Acabo no início

na pedra que rola

sem aparente sentido

Começo quando ela estaca

cessa de soar no ouvido

Abro então um mercado

paralelo e temporário

coço a cabeça

fumo um cigarro

alinho o rasto da pedra imóvel

faço-a improvável

rolar de novo

 

Quando acabo começo

Por princípio

recomeço no início

como um arado faria

 

 

(Parede, 06.01.2013)

 

publicado por flordocardo às 00:09

05
Jan 13

 

 

*   *   *

 

 

DESERTAS E SELVAGENS

 

   

As palavras estão desertas e selvagens

 

O que há de novo no que se passa agora?

O que se passa por dentro?

O que há por dentro do tempo

por dentro do tempo que faz?

 

As palavras movem-se

no espelho inquebrável onde buscamos o rosto

 

 

(Parede, 01.01.2013)

 

publicado por flordocardo às 00:58

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