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SEQUÊNCIA DO SEGREDO E DO VENTO
queria dizer-te um segredo qualquer/ coisa impossível no princípio/ e no fim talvez/ sobre fome e poesia talvez
mas como actor imperfeito não sei/ se diga não sei se conte não sei/ se mostre o corpo de delito/ uma onda para os lábios ou simplesmente/ uma língua
mas talvez tu/ saibas o real valor do vento
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devia calar-me/ pouco a pouco bem sei ser a polpa/ exígua deste corpo de delito
o tempo porém não sossega este/ riso sagrado esta morte profana este/ fluxo de crimes este silêncio/ pungente que reclama exactidão
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neste lugar dissipam-se palavras/ cruciais em labirintos acessórios/ rombos minuciosos surdos/ tornando ingrato levantar as horas entre a terra e o mar
não se culpe o vento/ nem a chuva a intimidade da lama/ o sarro dos muros que vacilam
o tempo treme suspenso/ simplesmente enquanto o sangue escorre
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examine-se como as pedras/ ardem como a luz descobre frinchas/ que os olhos desconheciam e/ o silêncio transborda como ferve o vinho
apesar de tudo o sol faz/ lentamente o seu caminho as palavras/ retomam o ar reerguem-se/ alinham-se
examine-se como as palavras ganham/ peso para o combate sob o vento
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podem surgir agora versos que/ rasguem aluviões o falso cimento/ da impossibilidade a turva facilidade/ da mentira a mais reles perversidade ou tão só/ a fome ainda que sussurrada
talvez já possa/ dizer-te um segredo assente na razão/ invocando precisamente uma razão madura/ e limpa material alinhada com o vento
escutarás tu?
(Parede, 23.03 - 08.04.2013)